
A implantação de novas legislações pode ser uma opção para derrubar os obstáculos que planos de saúde têm criado para dificultar o atendimento aso autistas. A especialista em Direito Médico e da Saúde do Fabio Kadi Advogados, Dra. Juliana Teixeira Barreto, ressalta que existem lacunas e desafios práticos que poderiam ser resolvidos com novas leis ou ainda com o aprimoramento da questão com novas normas infralegais a serem editadas pela ANS, que poderão complementar ou detalhar dentro da saúde suplementar as coberturas obrigatórias das Operadoras, sempre em obediência e observação aos direitos dos autistas já existentes.
SÃO CARLOS AGORA - Que direitos na questão de saúde a legislação prevê para os autistas?
DRA. JULIANA TEIXEIRA BARRETO - No final do ano de 2012 foi instituída a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista – Lei n.º 12.764/2012 – sendo um marco decisivo em relação aos direitos do autista, que definiu que a pessoa com TEA é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais.
A referida Lei garante a atenção integral às necessidades da pessoa com TEA, com o fim de assegurar um diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional, o acesso a medicamentos, terapia nutricional e informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento.
A pessoa com o transtorno do espectro autista também não poderá ser impedida de participar de planos privados de assistência à saúde em razão de sua condição de pessoa com deficiência, nos termos que dispõe o art. 14 da Lei n.º 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde).
Ainda, a legislação garante que o autista não será submetido a tratamento desumano ou degradante e que nos casos de internação médica em unidades especializadas, deverá ser observado o art. 4º da Lei n.º 10.216/2001 (Lei de Proteção e Direitos das Pessoas Portadoras de Transtornos Mentais e a Assistência em Saúde Mental), onde a internação só será indicada quando os recursos extra- hospitalares se mostrarem insuficientes, onde o tratamento visará a reinserção social da pessoa em seu meio, com a inclusão de serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer e outros.
Assim, o Sistema Único de Saúde (SUS) e os planos de saúde devem assegurar os direitos e suas garantias aos portadores de TEA nos termos da legislação vigente.
SÃO CARLOS AGORA – Por que os planos de saúde estão criando estes obstáculos para os autistas? Eles são legais?
DRA. JULIANA - Como profissional atuante na área informo que são diversos obstáculos, desde o cancelamento unilateral do serviço, descredenciamento de clínicas, limitações de sessões de terapia, negativas de fornecimento de medicação de alto custo ou de tratamento alternativo, falta de clínicas credenciadas em áreas próximas das residências das pessoas com TEA, até exigências excessivas para autorizar tratamentos, entre outros.
As operadoras e seguradoras de assistência à saúde nos últimos anos têm elevado os gastos com o público portador de TEA, com o custeio das necessidades, atendimento multiprofissional, terapias sem limitação, o que certamente incomoda essas empresas que suplementam a saúde no país.
Isto porque, em julho de 2021, a ANS removeu a limitação de consultas e sessões de terapias para o tratamento de TEA, em atenção ao grande aumento de diagnósticos e da demanda por serviços especializados para esses beneficiários.
Ainda, é importante destacar no ano de 2022 após o STJ (Superior Tribunal de Justiça) ter pacificado o entendimento sobre a taxatividade do Rol de procedimentos e eventos da ANS, foi sancionada a Lei n.º 14.454/2022 que alterou a Lei dos Planos de Saúde para tornar obrigatória a cobertura de todo tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontologista, desde que comprovada a eficácia por meio de evidências científicas ou que exista recomendação do Conitec ou órgão de avaliação de tecnologia que tenha renome internacional e sejam aprovadas para seus nacionais, por parte das empresas que prestam serviço de saúde.
Essas duas mudanças causaram grande impacto e movimentação no setor da saúde suplementar.
Em dados divulgados no ano passado indicam que a assistência à saúde vem crescendo com grande foco nos portadores de TEA, o que evidencia sua importância como uma das principais áreas de atenção.
Além disso, os custos elevados do tratamento recaem sobre um grupo de pacientes que, por estarem em faixas etárias mais jovens, costumam pagar mensalidades menores em comparação aos beneficiários idosos, onde a alta sinistralidade já é esperada pelas Operadoras.
SÃO CARLOS AGORA - Como os autistas podem lutar para manter seus direitos?
DRA. JULIANA - Os autistas e suas famílias podem e devem adotar diversas estratégias para lutar pela manutenção e ampliação de seus direitos, especialmente, ao que toca a atenção na saúde. Isso envolve a conscientização, fiscalização, denúncia e quando necessário a judicialização.
É primordial que os autistas tenham o pleno conhecimento dos seus direitos garantidos pela legislação, como a Lei n.º 12.764/2012 e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015.
Atualmente, existem diversos canais que os autistas podem buscar para denunciar qualquer ato contrário aos seus direitos, com registro de reclamações na ANS, Procon, Ministério Público, e por fim, o ingresso com ações judiciais contra o plano de saúde para exigir o cumprimento das coberturas necessárias para o tratamento adequado.
SÃO CARLOS AGORA - É necessária uma nova legislação sobre este tema para beneficiar os autistas?
DRA. JULIANA - Sim, embora a legislação brasileira já contemple diversos direitos claros para os autistas, ainda existem lacunas e desafios práticos que poderiam ser resolvidos com novas leis ou ainda com o aprimoramento da questão com novas normas infralegais a serem editadas pela ANS, que poderão complementar ou detalhar dentro da saúde suplementar as coberturas obrigatórias das Operadoras, sempre em obediência e observação aos direitos dos autistas já existentes.
SÃO CARLOS AGORA - Algo a acrescentar?
DRA. JULIANA - O autismo não é uma doença é uma condição da neurodiversidade, que faz com que a pessoa tenha um acompanhamento ao longo da vida, lembrando que é um espectro, onde há diversidade de sintomas e níveis diferentes.
Por conta disso, as operadoras devem encontrar uma maneira de equilibrarem a oferta de terapias de qualidade com a gestão eficiente dos custos. Algumas operadoras vêm criando programas que priorizam os cuidado preventivo, individualizado e especializado, com o fim de garantir um atendimento de qualidade e adequado que ao longo prazo poderá gerar uma economia, com a redução da sinistralidade e por consequência, minimizar a judicialização.
O fornecimento de suporte especializado com cuidado preventivo e diagnóstico precoce para o autista proporciona um acolhimento adequado para o beneficiário e sua família, para que se sintam ouvidos e devidamente orientados, melhorando a relação existente com o plano de saúde.
O grande desafio de toda essa dinâmica para as Operadoras é garantir que o tratamento dos beneficiários com TEA seja personalizado, pois, há diversidade de sintomas e níveis diferentes, ou seja, cada caso de autismo é único. De modo que os tratamentos padrões poderão não ser eficientes.
Por isso, o caminho ideal é ter um atendimento humanizado e mais eficaz, com capacitação das pessoas para identificar e acompanhar o tratamento, com a criação de programas especializados e de prevenção, com personalização do atendimento e soluções tecnológicas para facilitar o monitoramento e a comunicação entre prestadores de serviços, pacientes e operadoras, com o intuito de garantir a sustentabilidade dos planos de saúde e a qualidade de vida dos pacientes com o fornecimento de um tratamento adequado, que no final, fortalecerá a relação entre beneficiários e suas famílias com o plano de saúde.