O município de São Carlos e as autoridades policiais registraram, ao longo de 2024, um total de 26 suicídios. As informações foram obtidas com exclusividade através de fontes da polícia. O volume de ocorrências revela que a cada mês duas pessoas tiram a própria vida.
O Sistema Único de Saúde (SUS) registrou, ao longo de 2023, 11.502 internações relacionadas a lesões em que houve intenção deliberada de infligir dano a si mesmo, o que dá uma média diária de 31 casos. O total representa um aumento de mais de 25% em relação aos 9.173 casos registrados quase dez anos antes, em 2014. Os dados foram divulgados pela Associação Brasileira de Medicina de Emergência (Abramede).
Em entrevista exclusiva ao SÃO CARLOS AGORA, A psicóloga Dra. Aleksandra Lopes (CRP 06/123404), especializada em Psicanálise e Saúde pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, explica as principais causas do suicídio, sua relação com a depressão e os mitos que envolvem a questão da saúde mental. “Sempre que alguém pensa em tirar a própria vida, é fundamental compreender que essa pessoa está enfrentando dores emocionais profundas. "o suicida na verdade só quer acabar com a dor”, explica a psicóloga.
A psicóloga Aleksandra Lopes: “A depressão é um transtorno mental que tem por característica tristeza persistente e falta de interesse em atividades que antes eram prazerosas”
SÃO CARLOS AGORA- Por que uma pessoa comete suicídio se a sobrevivência à qualquer custo está no DNA de cada ser humano?
DRA. ALEKSANDRA LOPES - O suicídio é um fenômeno complexo que envolve uma combinação de fatores psicológicos, sociais, emocionais e biológicos. Embora a sobrevivência seja um instinto humano fundamental, situações de extremo sofrimento, isolamento, tristeza e desesperança podem levar uma pessoa a enxergar o suicídio como a única opção viável. No entanto, é crucial lembrar que essa percepção não corresponde à verdade.
Cada história é única e, em função do grau de sofrimento, algumas pessoas podem ter uma visão distorcida do que é possível ou desejável. Esse fenômeno ressalta a importância do apoio emocional e da compreensão nas situações de crise.
SCA - O que leva uma pessoa a tirar a própria vida?
DRA. ALEKSANDRA - Sempre que alguém pensa em tirar a própria vida, é fundamental compreender que essa pessoa está enfrentando dores emocionais profundas (o suicida na verdade só quer acabar com a dor). Diversos fatores podem contribuir para esse sentimento, incluindo transtornos mentais como: Depressão, Ansiedade, Transtorno Bipolar(TB), e situações que geram sentimento de impotência e desespero.
Experiências Traumáticas:
Abusos: físico, psicológico e sexual.
Perda de entes queridos, problemas de ordem financeira, problemas de ordem afetiva (brigas e rompimento), perda de emprego ou posição profissional.
Diagnósticos de doenças terminais ou crônicas podem agravar ainda mais a situação.
É essencial acolher essas situações com empatia e compreensão, oferecendo apoio àqueles que estão passando por momentos como esses.
SCA - O que é a depressão e por que ela leva ao suicídio?
DRA. ALEKSANDRA - A depressão é um transtorno mental que tem por característica tristeza persistente e falta de interesse em atividades que antes eram prazerosas. Os sintomas incluem alterações no apetite e no peso (para mais ou para menos), distúrbios do sono (insônia ou hipersonia), fadiga, falta de energia, sentimentos de inutilidade e culpa, dificuldade de concentração e de tomada de decisão, a impulsividade também pode ser um sintoma presente, assim como pensamentos de morte e suicídio.
É importante esclarecer que a depressão pode variar em sua intensidade e duração. Para algumas pessoas, ela pode ser um episódio único, enquanto que para outras, pode se tornar uma condição crônica, com sintomas de longa duração e difíceis de controlar. Esse tipo de depressão, é chamada de depressão maior ou distemia (depressão persistente) e pode exigir tratamento contínuo para o gerenciamento adequado.
As causas da depressão podem variar amplamente e incluem fatores genéticos, ambientais, psicológico, social e biológicos. A experiência única e singular de cada sujeito influencia na forma como a depressão se apresenta e sua resposta ao tratamento.
É fundamental destacar que, independentemente do tipo de depressão, o apoio médico e psicológico são essenciais, assim como contar com o apoio familiar, social e grupos de suporte.
SCA - Por quê, quase sempre, o suicida deixa uma carta?
DRA. ALEKSANDRA - Geralmente, essas cartas são uma forma que os indivíduos que contemplam o suicídio encontram para expressar suas emoções que, muitas vezes, não conseguem fazer pessoalmente. Elas podem servir tanto como uma despedida quanto como uma tentativa de alcançar compreensão. É comum em pessoas depressivas a dificuldade em comunicar seu estado mental para os outros. Assim, deixar uma carta, pode ser uma maneira de buscar reconhecimento e compreensão de suas experiências e emoções.
SCA - -Existe a teoria do "suicídio policial", que seria uma pessoa que quer se suicidar e não tem coragem e, por isso, afronta a lei e toma atitudes que forçam a polícia a matá-lo. A senhora concorda que exista esta modalidade de suicídio? Se existir, nossa polícia deve atender à vontade do suicida?
DRA. ALEKSANDRA - O que se conhece por suicídio assistido por policial refere-se a situações em que uma pessoa, enfrentando uma dor emocional profunda, entra em conflito com a lei na expectativa que os policiais reajam de forma letal. É fundamental abordar essa questão com empatia, pois tratam-se de indivíduos que acreditam não ter mais opções e tomam decisões extremas e impulsivas em um momento de desespero.
Compreender a raiz desse comportamento pode ser de grande ajuda. Embora não seja papel da polícia determinar o desfecho dessas situações, é essencial que a corporação mantenha a ordem e proteja a vida. Os policiais, no entanto, podem se deparar com situações extremamente perigosas e desafiadoras. A abordagem ideal é desescalar a situação e oferecer ajuda sempre que possível, para que a pessoa tenha a oportunidade de receber o apoio necessário.
SCA- Por que dizem que a maioria dos suicídios ocorre nos países mais desenvolvidos?
DRA. ALEKSANDRA - Apesar de parecer contraditório, os índices de suicídio em países mais desenvolvidos tendem a ser mais altos. Isso pode ser atribuído ao nível de exigência e à pressão que essas sociedades impõem, bem como às altas expectativas em relação ao sucesso profissional e pessoal. Essa pressão pode gerar sentimentos de inadequação, que levam a isolamento e depressão e como resposta, ao suicídio.
A solidão e isolamento mesmo em contextos onde a qualidade de vida é considerada alta, podem afetar profundamente algumas pessoas. A vida em ambientes urbanos, por exemplo, pode contribuir para sentimentos de desconexão social e desprezo, fazendo com que indivíduos se sintam extremamente solitários.
Fatores econômicos e sociais como crises econômicas, desemprego e desigualdade social, tem impacto significativo na saúde mental e podem se manifestar em taxas de suicídio maiores, mesmo em contextos de desenvolvimento econômico.
Essas condições geram um ambiente de estresse e insegurança, que afeta a qualidade de vida das pessoas, contribuindo para o surgimento de problemas de saúde mental e, em casos extremos para à incidência de suicídio.
SCA- Por que a vida faz sentido e quando ela passa a não ter mais sentido?
DRA. ALEXANDRAÉ natural sentir que a vida faz sentido em certos momentos, enquanto em outros tudo parece sem significado. Muitas pessoas passam por essas oscilações, onde a percepção de propósito e clareza mudam. Momentos de desespero e perda de sentido são desafiadores e geralmente ocorrem após eventos traumáticos ou significativos, especialmente quando estamos sobrecarregados emocionalmente.
A vida é cheia de altos e baixos, e nesses momentos de aparente falta de sentido, pode ser difícil ter esperança. É importante lembrar que esses sentimentos são temporários e que existem maneiras de ressignificar experiências e descobrir um novo sentido na vida. Buscar apoio e compartilhar esses sentimentos com outras pessoas pode ser de grande valia nesse processo.
A busca por significado é um processo pessoal que, por vezes, pode levar tempo. No entanto, com ajuda profissional, essa trajetória pode se tornar mais confortável e segura.
Quando a pessoa sente que não está sozinha e tem alguém ao seu lado nesse momento, essa trajetória pode se tornar menos solitária. Ter um profissional que apoie pode facilitar o processo de descoberta e ressignificação, ajudando a transformar desafios em experiências de crescimento.
SCA - O suicida dá "avisos" de que vai tirar a própria vida? Como ele faz isso? Como amigos e familiares podem agir com estes "avisos" para evitar que o pior ocorra?
DRA. ALEKSANDRA - Os sinais de que alguém está pensando em suicídio podem variar muito de pessoa para pessoa, mas existem alguns indicadores comuns que devem ser observados:
Aumento do consumo de substâncias, o uso de álcool e drogas pode aumentar como forma de lidar com a dor de forma nociva.
Comportamentos auto destrutivos, como se machucar ou se colocar em situações de risco, também são preocupantes.
Mudanças bruscas de comportamento: isolamento, mudez, perda ou ganho de peso significativos, também são indícios de algo não vai bem.
É fundamental que ao perceber esses sinais, que se tenha uma conversa aberta e solidária, assim como o incentivo para a busca por ajuda especializada.
Lembrar que o suicídio é algo muito sério e que exige medidas urgente.
SCA - Quais os mitos sobre a depressão?
DRA. ALEKSANDRAL - Existem muitos mitos e desinformações sobre a depressão que podem perpetuar estigmas e dificultar a compreensão e a ajuda aqueles que sofrem. Aqui, vou abordar cada uma das afirmações e explorar outros mitos comuns sobre a depressão:
1- “Quem sorri não tem depressão “.
Esta afirmação é incorreta, pois muitas pessoas que sofrem de depressão conseguem ocultar seus sentimentos e manter uma aparência de felicidade. “O sorriso” pode ser uma máscara utilizada para esconder a dor interna e não é um indicador confiável do estado emocional de alguém.
2- “Depressão é falta de Deus”.
Essa ideia é um mito. A depressão é uma condição médica complexa que envolve fatores ambientais, biológicos, psicológicos, hereditários. A espiritualidade pode desempenhar um papel importante na vida de algumas pessoas, mas a depressão não é causada por falta de fé ou conexão espiritual.
3- “Depressão é apenas tristeza”
A depressão vai além da tristeza. Ela pode incluir uma série de sintomas, como apatia, fadiga, alterações de sono, alterações de humor, alterações de apetite, mudanças bruscas de comportamento.
4- “É possível simplesmente “superar a depressão “.
A depressão é uma doença que requer tratamento psicológico e medicamentoso. Superá-la não é uma questão de vontade e força de vontade.
5- “Somente pessoas em situação difícil ficam depressivas”
A depressão pode afetar qualquer pessoa, independentemente de suas circunstâncias de vida. A depressão acontece em pessoas de todas as idades, etnias, condições econômicas, social ou de gênero.
6- “Os antidepressivos são uma solução mágica”
Os antidepressivos são ferramentas que combinadas a psicoterapia tem eficácia comprovada, já só o uso de antidepressivos tem maior probabilidade do estado depressivo voltar, uma vez que a medicação atua para que o sujeito consiga em terapia, falar e tratar daquilo que o aflige.
Compreender e divulgar informações corretas sobre a depressão é essencial para apoiar quem está passando por essa condição para combater o estigma associado a ela.
Se você ou alguém está enfrentando a depressão, é importante buscar ajuda profissional, lembrando que você até pode ter um médico de confiança e isso se transformar em uma porta para o tratamento, mas a especialidade para esse transtorno, são a psiquiatria e a psicologia.