Analista político há algumas décadas, formado em Letras e servidor da UFSCar, Henrique Cebola analisa a política com total isenção e tem um ponto de vista muito diferente da grande maioria. Nesta entrevista exclusiva ao SÃO CARLOS AGORA, ele analisa a política atual, as perspectivas para a primeira eleição com segundo turno daqui a quatro anos e defende com ênfase a manutenção da Câmara Municipal no Edifício Euclides da Cunha.
SÃO CARLOS AGORA - O que você espera da nova Câmara Municipal?
HENRIQUE CEBOLA - A única certeza que temos é o postulado do Rui Cereda. Explicando ao leitor: quando nós dois cobríamos o dia-a-dia da Câmara Municipal ali no começo dos anos 2000 e víamos os absurdos que aconteciam o Rui, que era nosso decano e mestre sempre dizia: “se você está achando essa legislatura ruim, espera para ver a próxima”. Nunca vi melhorar. Não acredito que vá. A renovação não garante melhoria, e o formato de governabilidade adotado no Brasil, baseado no clientelismo, na distribuição de emendas parlamentares não favorece uma política mais elevada. E sabemos que o grosso dos vereadores, não só em São Carlos mas em todo Brasil, se alinham a governos de acordo com o atendimento de suas demandas. Podem até ter uma atuação mais destacada e propositiva, alguns até em defesa de direitos e interesses de grupos específicos - agricultores, servidores públicos, pessoas com deficiência… - mas o cotidiano da Câmara Municipal é liberação de emendas, asfalto pra uma rua aqui, tapa-buraco em outra rua ali, passar a máquina na estrada rural. Esse atendimento de despachante de demandas acaba pautando a maior parte do trabalho da Câmara.
SCA - Pela primeira vez na história, a esquerda terá 5 vereadores e todos na oposição. Que efeito este fator terá na próxima legislatura?
CEBOLA - A esquerda já até teve mais vereadores mas que não estavam agrupados em situação e oposição, mas era uma outra época, quando existia dissidência entre os grandes partidos do mesmo campo. Hoje a esquerda é composta por partidos com discurso homogeneizado e dificilmente os três representados terão distensões. Isso não significa que não possa haver algum ponto ou outro de discordância. As duas novas vereadoras, Larissa e Fernanda Castelano, podem se destacar ou se acomodar atrás do bloco, acredito que este será o desafio de ambas. E a Larissa tem ainda mais chance, por ser a única de seu partido e de ter uma bandeira além do seu partido, e pelo que apurei, teve muitos votos não alinhados ideologicamente. O PCdoB a partir de 1989 sempre agiu como satélite do PT, e ela pode romper isso, até por ser a primeira vereadora do partido na cidade. Já o PSOL, mesmo sendo uma dissidência, acabou por se alinhar ao discurso petista assim que seus fundadores - Heloísa Helena e Babá, principalmente - foram perdendo espaço. Me lembro do Djalma Nery que quando eu perguntei no rádio em 2020 qual seria a relação com o Azuaite e a Profa. Neusa, que também eram de esquerda, e ele disse “não os considero do mesmo campo”. Acho que o Cabeça Filho e Azuaite gostaram da eleição da Julieta Lui em 1988, mesmo não sendo alinhados... Percebo que agora ele aprendeu um pouco mais de realpolitik e que sabe que mesmo tendo sido o mais votado, tem o mesmo peso do eleito menos votado. Como não existe governo, também não existe oposição no mundo que consiga fazer algo sem negociar. De qualquer forma, acredito que estes cinco votos, salvo em algumas exceções, serão sempre contrários. E o que tiver que ser negociado, acredito que a melhor chance de diálogo será através do Lineu, que pela sua experiência como ex-presidente e pela sua trajetória, além de liderar, vai ter um melhor diálogo com o Waldomiro Oliveira.
SCA - Neste segundo governo do Airton Garcia, grande parte dos vereadores estiveram muito próximos do governo municipal. O senhor espera que esta situação se modifique no governo Netto Donato?
CEBOLA- Sim, ele não terá a mesma facilidade que o Airton teve. E acho que a escolha do Waldomiro foi muito boa. Se ele conseguiu garantir governabilidade ao governo do Altomani, ele consegue qualquer coisa. Já vimos que alguns vereadores eleitos na coligação do governo já começaram a dar trabalho. Porém, o primeiro governo do Newton Lima tinha apenas 4 vereadores do PT, e era tudo o que o governo tinha, e mesmo assim, conseguiu…
O analista político Henrique Cebola: “A população de rua cresce e muito a cada dia e o assunto é pouco discutido, e o maior vetor é o crack”
Foto: Arquivo Pessoal
SCA - Você acha correto a Câmara devolver
dinheiro ao Executivo? Não seria melhor investir na qualificação dos vereadores e atividades culturais?
CEBOLA - Correto ou não, se o valor do repasse, que é variável de acordo com a receita anterior, sobra e não faz falta, que bom né? Explicando ao leitor, as atividades culturais são uma das únicas coisas que os legislativos em qualquer esfera podem “invadir”, pelo menos na lei, de atribuição do executivo, e a Biblioteca Jurídica já ocupa bem essa brecha. Porém, acho que uma boa parte dessa verba que geralmente é devolvida deveria ser investida em modernização de sistemas e procedimentos, qualificação dos servidores, mas não, nunca dos próprios vereadores. A Câmara não deve gastar dinheiro dos contribuintes em qualificar melhor os seus membros que são transitórios e que ganham um salário muito mais alto que a maior parte da população. Se não investem o próprio dinheiro que ganham na melhora pessoal merecem a própria ignorância, assim como seus eleitores. A devolução de valores se tornou uma prática aqui em São Carlos. Como o dinheiro vai carimbado, talvez é uma boa solução para essa economia.
SCA - Você vê potencial em algum vereador para ser candidato a prefeito em 2028, lembrando que como haverá segundo turno deveremos ter um grande número de concorrentes no primeiro turno, de olho nas negociações no segundo turno e na participação no governo?
CEBOLA- Sim. Candidatos temos vários em potencial - o que não significa que sairão à disputa -, e com possibilidade de eleição é outra história. Acho que a eleição para deputado vai dar uma ideia de quem quer fazer nome para se cacifar. Dos eleitos, apenas o Julio Cesar e o Leandro já disputaram e podem estar entre os potenciais candidatos. O próprio Edson que teve a candidatura inviabilizada pela tropa de choque do Progressistas pode pensar nisso, dependendo de como for seu mandato. Já a esquerda não tem mais nome forte algum na cidade para se candidatar à Prefeitura, e o segundo turno praticamente inviabilizou qualquer possibilidade de vitória a longo prazo, tanto pelo perfil ideológico do paulista em geral e do são-carlense em particular. Além disso, o fracasso deste terceiro governo Lula vai ter impactos muito duradouros, e tendo em vista que o PT tem 4 prefeituras hoje em 645 municípios, e olha muita coisa o governo federal segurou para soltar depois das eleições municipais. Num segundo turno aqui nenhum nome da esquerda reunirá maioria absoluta. Impossível. O Djalma provavelmente será candidato a deputado daqui dois anos, e se conseguir se eleger terá a possibilidade de se postular, mesmo que com pouquíssimas possibilidades de vitória daqui quatro anos.
SCA - Você acredita que a Câmara deva construir um novo prédio?
Não, não deve. Vou divagar um pouco filosoficamente, eu sou um grande fã de Roger Scruton e para a mim a Câmara não pode, de maneira alguma, sair daquele prédio… A Câmara no Edifício Euclides da Cunha é importante por diversos fatores. Está no coração da cidade, em lugar de fácil acesso a todos e é simbólico. Está na praça que recebe comemorações, protestos, desfiles cívicos. É um lugar do povo, um prédio bonito. Já foi fórum, cadeia e hoje é a Câmara porque vai muito além de sua utilidade. Para uma cidade de 170 anos é praticamente uma ruína romana. Quando compraram a atual prefeitura dos Azoury, a promessa era que quase toda a administração caberia ali. Nunca aconteceu, continuaram alugando prédios e agora alugaram aquele prédio feio da Comendador Alfredo Maffei. Olha o que aconteceu com o Palacete Conde do Pinhal, está lá ruindo, abandonado. Mantivesse o gabinete ali, alguma secretaria ou outra estaria em constante conservação. E a Câmara é o mesmo. Outro dia meu filho esteve lá com os DeMolays, e eles ficavam olhando os detalhes de madeira, as fotos na parede, os arcos no tetos, os símbolos talhados nas cadeiras e nas mesas. Aquilo encanta, te chama a uma tradição, te remete à história. O que você prefere olhar: o prédio do Álvaro Guião ou o prédio do Bradesco? A Câmara cumpre o nobre propósito de manter o edifício em pé e conservado, num país sem memória e que destrói seu patrimônio arquitetônico. Quando você constrói um prédio com o simples propósito de ser útil, sua utilidade se encerra no seu propósito e nada mais resta a não ser destruído. Um novo prédio para a Câmara seria uma abominação arquitetônica como o prédio de vidro que a prefeitura alugou e seria implodido em menos de cinquenta anos. Concreto armado, metal escovado e vidro, a arquitetura hodierna. Não, não precisa de prédio novo. Se precisar de mais espaço aluga, faz um anexo ali no estacionamento, e os vereadores que paguem área azul ou andem de ônibus do mesmo jeito que nós mortais.
P: Qual você acha que existem alguns assuntos urgente na cidade que estão sendo ignorados pelo Legislativo e que devem ser melhor observados, até para a Prefeitura agir?
São dois assuntos que são bombas-relógio: o primeiro é população de rua, é muito evidente que ela cresce e muito a cada dia e o assunto é pouco discutido. E o maior vetor é o crack. As vezes a pessoa está na rua, nem é usuário, mas acaba se tornando pelo ambiente que o cerca e não consegue mais sair. Hoje a cidade tem diversas mini-cracolândias: Vila Pureza, Boa Vista, Vila Marina, Parque Industrial, e mais alguns… a polícia e a GCM prendem traficantes em um dia, eles voltam para as ruas no outro. A Câmara tem de estar mais atenta a isso. São Paulo foi deixando a coisa crescer e hoje está com aquela massa gigantesca nas ruas. Um outro assunto é a insuficiência de acessos à área norte da cidade além da SP 310. Enquanto era apenas o Jockey Clube, os dois acessos dos km 236 e 237 eram suficientes. O acesso do km 236 é uma piada, é uma pinguela na Bernardino Fernandes Nunes e um buraco de tatu embaixo da SP 310, passando um carro por vez, geralmente na lei do mais forte. O da 237 tem uma faixa pra cada lado, apenas. Agora além dele do Jockey tem os Damha, os Village, o Villeneuve, o Dream Santo Antônio, vários prédios no próprio Jockey prontos ou sendo construídos. E para além da UFSCar ainda tem o Samambaia, o Bosque, o Recanto dos Sabiás…
SCA - Dois candidatos tiveram as contas reprovadas. Você acha que eles não serem punidos é um mau exemplo?
R: Sonia Guajajara, Guilherme Derrite, Guilherme Boulos, Eduardo Suplicy… todos estes tiveram contas reprovadas na última eleição. São de esquerda e são de direita e por motivos muito maiores que os locais. Os mecanismos de controle já são criados de forma a se tornarem apenas aparentes. Porém, temos de ir mais à fundo: o sistema de financiamento de campanhas do Brasil é bizarro… o Fundo Partidário é uma prova de que o Brasil tem um dos maiores programas de transferência de renda do mundo: tira do povo para dar aos políticos.