Saúde, segurança e Cia: Direitos humanos ou direito dos manos?
29 MAI 2015 • POR Colunista Luiz Fernando de Lima Paulo • 17h04Quantos não ouviram que os direitos humanos protegem apenas os chamados "manos"?
Vejamos uma história de 2 partes; uma a vítima de furto e o outro o autor de um furto. Ao final faremos alguns comentários sobre o tema.
Episódio A: Direitos humanos e os humanos direitos
No final do dia, após João Frederico passar uma maravilhosa tarde na casa de meu grande amigo entrou em casa para um merecido banho e descanso:
__ Meu Deus, o que aconteceu aqui?
Eis que João Frederico constata a sua casa toda revirada, bagunçada, a porta da cozinha arrombada, as portas dos armários abertas:
__ Levaram a TV! Minha mãe, até o vídeo-game das crianças. Quanta maldade! Bando de vagabundo, sem vergonha. Por que não trabalham? Tanto sacrifício para conseguir a minha TV, o vídeo-game para as crianças para vir um vagabundo e levar assim, desse jeito?
João Frederico liga para a polícia que envia uma viatura. Após alguns minutos de conversa saem para a ronda na tentativa de localizar o criminoso.
Enquanto isso, João Frederico contabilizava o seu prejuízo: furtaram 1 tv de LCD, 1 video-game, R$ 200,00, roupas, a aliança do casamento da avó de João Frederico, 2 pulseiras, um prejuízo contabilizado em R$5000,00.
Horas depois a polícia entra em contato e informa que localizaram o autor do furto (reconhecido por um vizinho). É conhecido como Alberto. João Frederico vai a delegacia para olhar no rosto do criminoso e diz:
__ Onde estão as minhas coisas seu vagabundo?
O criminoso não olha no rosto de João Frederico e não responde.
João Frederico conversa com o Delegado para saber quantos anos ele permanecerá preso. Eis a resposta:
__Com certeza menos de 1 ano.
João Frederico ficou enfurecido e pensativo:
"quanta injustiça. Depois de tantos anos trabalhando para conquistas algumas coisas uma pessoa, sabendo que é errado, invade a minha casa e leva embora. É presa por um período ridículo, sairá da cadeia no mínimo 5 vezes (indulto de páscoa, dia das mães, dia dos pais, dia das crianças, natal e ano novo) e eu, terei que trabalhar mais ainda para comprar tudo de novo. Quando ele sair, continuará furtando outras pessoas por ai."
Episódio B: O Direito dos manos?
Eis que a Polícia, ao entrar em uma favela observa uma mulher grávida fumando crack.
__ Polícia, levante as mãos!
Após uma policial feminina realizar a revista nada foi encontrado, exceto um cachimbo de crack. Ela foi levada a delegacia, assinou um termo circunstanciado por porte de entorpecente e foi liberada. Após alguns meses nasceu Alberto.
Alberto cresceu em uma família de classe baixa, sem conhecer o pai e conviveu com a mãe por alguns anos, visto que era viciada em drogas. Sua mãe foi presa outras 2 vezes por abano de incapaz, afinal de contas, com apenas 3 anos, Alberto, descalço, sujo,com fome, já sabia que precisava pedir para sobreviver.
Seu barraco de madeira, construído sobre um antigo aterro, cheirava lixo; não tinha cama, geladeira. A única refeição que Alberto fazia era na escola. Participava de uma escola de esportes porque tinha café da tarde. Quando tinha 8 anos foi para um orfanato porque a sua mãe, sem ter condições de sustentar o vício, começou a traficar e foi presa.
Alberto nunca foi adotado por ser um garoto fora dos padrões que os pais adotivos procuravam: bebes, brancos, menores de 2 anos de idade. Ao completar 18 anos teve que deixar o orfanato e, como não conseguiu estudar além do 1º grau começou a trabalhar cedo, com 12 anos e ganhava 1 salário mínimo.
Com o dinheiro que recebia foi morar em uma favela. Comprou um barraco por R$3000,00. Sofreu para pagar. Trabalhou dia após dia para saldar a sua dívida. Conseguiu comprar 1 cama, 1 tv, 1 guarda-roupas. Sempre sonhou em ter um carro, mas não tinha dinheiro. No lava rápido que trabalhava, lavava e manobrava muitos carros importados. Via os proprietários bem trajados, o que só aumentava a sua vontade de ter o seu carro.
Após alguns anos trabalhando, Alberto recebe uma proposta:
__ E ai mano, firmeza. Trampando muito?
__Ta afim de melhorar o orçamento?
Alberto responde:
__É sempre bom. Como irmão?
__Leva essa parada aqui pra mim lá no morro do sabão. Deixa debaixo do pneu da Kombi amarela. Quando chegar aqui te dou R$400,00.
Alberto olhou qual era a "parada": 2 pistolas calibre .380.
__Não meu, ta doido. Já pensou alguém me pega com isso ai?
Alberto continuou trabalhando, lavando carros e no final do mês recebeu os seus R$700,00. Pagava o valor combinado do barraquinho, pagava um curso técnico, comprava um tênis e uma roupa. Passava com a comida da cesta básica e graças a Deus que tinha o "gato" de água e luz, senão andaria praticamente nu.
Um belo dia, aquele "parceiro" do Alberto cumprimenta-o e Alberto diz:
__Meu, não tem uma outra parada para eu descolar uma grana? To cansado de trampar muito e ganhar quase nada.
__ Claro irmão. Leva essa parada ali perto, depois dos predinhos.
Novamente 1 arma, enrolada. Alberto levou, afinal de contas apenas 3 quadras separavam ele e os R$400,00 que receberia ao deixar a encomenda. Deu certo, Alberto recebeu R$400,00.
Começou a conduzir mais "paradas". Foi convidado para participar de um grupo que furtava carros e casas. Os carros vendiam para desmanches e recebiam R$800,00 por carro. Os materiais das casas eles tinham algumas lojas pequenas que compravam na madrugada do furto. Era chegar e receber.
Alberto fez curso de chaveiro. Os seus "irmãos" pagaram o curso. Foi se aperfeiçoando, furtando carros, casas e lucrando. Com o dinheiro Alberto conseguiu melhorar o seu barraco. Não chovia dentro, tinha TV de LCD e até um carrinho. Alberto percebeu que se parasse de trabalhar poderia furtar mais, logo ganhar mais, até ser preso após furtar a casa de João Frederico.
COMENTÁRIOS: Acredito que pensou: coitado do João Frederico. Puxa, que vida difícil levou o Alberto, mas quando começou a fazer o transporte de armas...
As histórias retratam, ficticiamente, a realidade de 2 pessoas distintas: uma trabalhadora, que mesmo diante das dificuldades conquista os seus bens pelo suor, com dedicação. Por outro lado, o outro que tem uma história de vida difícil, muito parecida com diversas pessoas, no entanto, luta da mesma maneira para conquistar as suas coisas, mas em dado momento deixa de lado os seus preceitos morais (que não foram ensinados pelos pais, mas pela vida) e começa a furtar.
Será que Alberto não tem solução?
Com certeza, desde que Alberto sentisse VERDADEIRAMENTE, que furtar o deixaria preso por alguns anos e, ao longo desses anos, teria que TRABALHAR para manter-se no sistema penitenciário. Já pensou se Alberto trabalhasse para saldar o que fora furtado de José Frederico?
Diante da enorme despesa que um presidiário gera, o Estado contribuiria com um valor a complementar a permanência de Alberto e até qualificá-lo para um melhor aproveitamento no mercado de trabalho.
Acredito que Direitos humanos estariam inseridos nesse contexto: respeito ao José Frederico, deixando o autor do crime preso por um tempo considerável e recebendo o que fora furtado. Mesmo sem os seus bens, sentir-se-ia ao menos confortado em saber que o autor do delito permaneceria um tempo considerável na cadeia.
Respeito ainda ao Alberto, pois, o Estado estaria demonstrando que deve caminhar conforme as leis, dentro dos padrões de comportamento esperados pela sociedade. Aliado a isso o Estado daria a oportunidade de se aprimorar não no crime, mas em educação, ensino, curso profissionalizante.
Utopia?
Acredito que não. Bastaria apenas termos uma facilidade maior para alterar o rumo da política, afinal de contas, hoje, as mudanças são como uma manobra de um grande navio, lentas, quase imperceptíveis.
E vocês, o que acham?
Como solucionar essa questão dos crimes?
Polícia? Educação? Políticos? Reduzir a desigualdade? Reduzir a maioridade penal?
O texto acima é de responsabilidade do colunista e não necessariamente expressa a opinião do portal São Carlos Agora.