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Uso do solo: falta integração de pagamento por serviços ambientais e planos diretores

26 NOV 2024 • POR Assessoria • 06h24
Florianópolis (SC) é um bom exemplo em integrar planejamento ao instrumento de conservação ambiental - Foto: Oscar Fava/Wikimedia Commons - CC BY 3.0

Em vigor desde 2021, a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA) é um mecanismo que remunera ou recompensa quem protege de alguma forma a natureza. Esses pagamentos são uma forma de precificar atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou melhoria dos serviços ecossistêmicos locais. Apesar de seus benefícios serem claros, a adoção dessa política é lenta e demanda organização civil, jurídica e de atores políticos. 

Em artigo publicado na Revista Ibero-Americana de Economia Ecológica, Rhennan Bontempi, engenheiro ambiental e doutorando no Núcleo de Estudos de Política Ambiental (Nepa) da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, considerou 31 esquemas de pagamento por serviços ambientais (PSA) e 157 planos diretores de municípios brasileiros para avaliar a integração entre os dois. Com base nos dados extraídos da plataforma Forest Trends (2021), pelas leis de transparência e divulgação dos próprios governos, o pesquisador identificou uma limitada relação entre esses esquemas e planejamentos.

“Como o PSA pode alterar o uso do solo e a realidade espacial, não ser integrado a esse planejamento cria margem para ineficiência e conflito”, afirma Bontempi. O pesquisador lembra que um plano diretor bem elaborado e participativo, como previsto no Estatuto da Cidade, evita conflitos territoriais ao envolver associações, comunidades e empresas. Em sua pesquisa, dos 157 planos diretores analisados, apenas 13 apresentaram alguma menção ao PSA. Desses, cinco o abordam de maneira detalhada e oito de forma superficial. Por outro lado, dos 31 esquemas analisados, apenas quatro apresentaram alguma referência aos planos diretores, sendo três menções diretas e apenas uma indireta. 

A pesquisa adotou o planejamento municipal como recorte e concentrou-se nos planos diretores dos municípios para entender a interface entre o ordenamento territorial e o PSA. O plano diretor é um dos instrumentos mais relevantes para essa análise, pois orienta o uso do solo urbano e rural, logo, é essencial para integrar políticas ambientais e territoriais. Para a avaliação, utilizou-se a metodologia de Análise de Conteúdo de Laurence Bardin, que permite identificar e quantificar menções ao PSA nos documentos municipais, por meio de palavras-chave e índices de referência.

A integração enfrenta desafios principalmente pela ausência de sinergia entre as políticas rurais e urbanas. “O plano diretor deveria abarcar todo o território do município, mas deixa a zona rural um pouco de lado e o PSA, que é mais focado em zona rural, acaba se distanciando do plano diretor”, explica Bontempi. Ele ainda alerta que a ferramenta não pode agir sozinha. “Precisa do comando e controle também em conjunto; precisa ter esse equilíbrio, que vale tanto para a zona rural quanto para a urbana. Sozinho, ele não resolve.”

“Comando e controle” a que se refere o cientista são as leis, normativas e diretrizes responsáveis por definir o que deve ou não deve ser feito em determinada localidade, bem como do que pode ser recompensado financeiramente.  Ao contrário de instrumentos econômicos, como o PSA, que incentivam ações por meio de remuneração, o comando e controle busca assegurar a conformidade e a responsabilidade ambiental por meio de regulamentações rigorosas.

O pesquisador destaca que, para ser efetivo, o PSA também precisa ser ajustado às realidades locais e não pode ser tratado como uma solução universal. “Se eu sou um grande fazendeiro e reservo a área de mata na minha fazenda exigida por lei, você não tem que me pagar para eu fazer isso, porque não é o meu direito destruir tudo. A fazenda não está isolada do universo; ela tem uma função social”, detalha. Ele destaca também que isso não significa que fazendeiros não devem ser remunerados se protegerem mais do que o previsto.

Faltam modelos em escala

Cidades como Florianópolis (SC), Palmas (TO) e São José dos Campos (SP) se destacam por integrar o mecanismo em seus planejamentos urbanos com menções dos esquemas nos planejamentos das cidades e vice-versa. Esses exemplos tiveram uma experiência prévia com PSA nos municípios, o que favoreceu sua inclusão no planejamento municipal. Mas a ausência de um debate participativo com a comunidade nas cidades brasileiras ainda limita a efetividade dessas políticas em diversas regiões.

Uma avaliação in loco é destacada pelo pesquisador como necessária para pesquisas futuras, devido às limitações da pandemia quando foi feita a análise. Victor Ranieri, professor associado da USP e coautor do artigo, também chama atenção a essa necessidade. Além disso, diz que o cenário do pagamento por serviços ambientais (PSA) no Brasil é desafiador, com avanços pontuais, mas com obstáculos significativos para uma implementação mais ampla.

Segundo ele, o PSA tem recebido interesse, especialmente entre gestores municipais e políticos, por ser promovido como uma solução que beneficia todos: meio ambiente, comunidades e proprietários rurais. Contudo, Ranieri ressalta que muitos dos projetos de PSA ainda se limitam a “pequenos projetos piloto”, restritos a áreas específicas e sem escala suficiente para causar impacto significativo.

“Embora haja muito interesse , o que vemos são apenas iniciativas localizadas, que ainda não têm a estrutura para escalar de modo a realmente fazer diferença” – Victor Ranieri

Ele também critica a visão do PSA como uma solução universal. “Para ser eficaz, precisa de muitas condições presentes ao mesmo tempo, como vontade política, engajamento dos proprietários e recursos financeiros constantes. Sem isso, não passa de uma política atrativa no papel, mas de difícil implementação prática”, avalia. Ele ainda destaca que é fundamental que a sociedade esteja “atenta a como o instrumento será regulamentado para evitar que ele sirva a interesses privados em detrimento do bem público e amplie desigualdades ao priorizar grandes proprietários em detrimento de pequenos agricultores ou comunidades locais”.