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quarta, 26 de março de 2025
Cultura e eventos

População do estado de SP frequenta mais shows e espetáculos do que cinema, revela pesquisa da Funda

Estudo traça panorama detalhado por região administrativa do estado sobre a situação da cultura e oferece subsídios para aprimoramento de políticas públicas no setor

23 Mar 2025 - 16h59Por Da redação
Sala de Cinema - Crédito: Agência brasilSala de Cinema - Crédito: Agência brasil

Pelo quinto ano consecutivo, a Fundação Seade apresenta a pesquisa “Percepção da população sobre oferta, qualidade e uso dos serviços de cultura”, que busca entender qual a percepção dos paulistas sobre a qualidade dos serviços culturais disponíveis, sua oferta e o quanto esses serviços são utilizados.

O objetivo é traçar um panorama sobre a condição da cultura no Estado de São Paulo e oferecer subsídios para a formulação de políticas públicas, seu aprimoramento e identificação de ajustes necessários.

Em 2024, a frequência a shows e espetáculos e a museus retornou ao patamar de 2018 no estado de São Paulo, com respectivamente 50% e 33% da população participando dessas atividades. Adicionalmente, uma em cada quatro pessoas afirmou não ter frequentado nenhuma atividade cultural em 2024, proporção superior à observada em 2018, indicando que parte da população ainda não retomou hábitos culturais do período anterior à pandemia de Covid 19.

No ano passado, 41% da população paulista frequentou cinema. Entre as pessoas de 18 a 29 anos, 70% afirmaram que foram assistir a um filme, enquanto entre aquelas com 60 anos ou mais essa proporção foi de 26%. Entre os residentes dos municípios de menor porte (até 20 mil habitantes), somente 22% frequentaram cinema, em contraste com os 47% de moradores nos municípios de maior porte (acima de 500 mil habitantes).
Ao abranger informações de antes e depois da pandemia, é possível observar as mudanças no comportamento da população em relação aos serviços culturais. Os dados apresentados evidenciam o início da recuperação do setor cultural a partir de 2023, com exceção das bibliotecas, que mostraram estabilidade nos três últimos anos na proporção de pessoas que as frequentaram no estado (21%).

Necessidades locais

Além de traçar um panorama geral do estado de São Paulo, o estudo traz uma análise desagregada por regiões administrativas (RAs), o que possibilita uma visão mais precisa e abrangente sobre a qualidade, oferta e utilização dos serviços culturais, ajudando a identificar onde há lacunas de acesso e onde os serviços podem ser melhorados ou ampliados.

Em 2024, a proporção de pessoas que foram ao cinema foi maior na Região Metropolitana de São Paulo (44%), seguida pela Região Administrativa de São José dos Campos (42%). As regiões com menor público frequentando cinemas foram as de Registro (9%) e Franca e Presidente Prudente, ambas com 23%.

Já a visita a museus teve maior adesão na Região Metropolitana de São Paulo (38%) e menor na RA de São José do Rio Preto (18%). A proporção da população que foi a show ou espetáculo de música, dança, teatro, circo ou outras artes em sua cidade ou região nos últimos 12 meses foi maior na RA de Bauru (56%) e menor na RA de Barretos (41%).

As RAs de Registro (29%) e Marília (28%) têm a maior proporção da população que frequentou atividades culturais de forma gratuita nos últimos 12 meses e a RM de São Paulo apresentou a maior parcela (44%) de participação em eventos na maioria pagos.

O cineasta e professor do Departamento de Imagem & Som da UFSCar, João Carlos Massarolo, afirma que o público paulista vive uma profunda mudança.  “Embora não saibamos os critérios metodológicos específicos da pesquisa do Seade, é possível identificar, mesmo que parcialmente, transformações nos hábitos culturais da população de São Paulo. Ao longo do século XX, o cinema consolidou-se como uma arte popular, capaz de reunir multidões em salas de exibição. Naquela época, assistir a um filme era um ritual coletivo: as pessoas saíam de casa, dirigiam-se à sala mais próxima e mergulhavam em uma experiência que contrastava radicalmente com a rotina diária. Ir ao cinema não era um passatempo trivial, mas um evento social carregado de significado — um momento de ruptura com o ordinário”.

Segundo ele, o cinema, nesse contexto, operava como uma mediação simbólica entre a vida cotidiana e o imaginário. “Enquanto a realidade exigia trabalho e responsabilidades, a sala escura oferecia um refúgio temporário, onde o espectador podia se desligar dos conflitos do dia a dia e entregar-se à magia das narrativas projetadas na tela. Essa dinâmica não apenas reforçava o caráter coletivo da experiência — já que as plateias compartilhavam risadas, sustos e emoções —, mas também criava uma expectativa quase ritualística em torno da sessão. A ida ao cinema, portanto, não ocupava o dia inteiro das pessoas, mas marcava um intervalo sagrado, um escapismo necessário em meio à repetição da vida urbana”.
Segundo ele, hoje, em um mundo dominado por telas individuais e consumo sob demanda, essa prática perdeu parte de seu sentido original. “O desafio, agora, é entender como o cinema — enquanto espaço físico e experiência compartilhada — se reinventará para preservar seu papel como ponte entre o real e o imaginário, sem abandonar a essência que um dia o tornou tão especial”, comenta.

Os dados sobre o setor de exibição cinematográfica no Brasil indicam um leve crescimento no número de salas. “Contudo, é essencial compreender os critérios metodológicos dessas pesquisas, já que a própria definição do que constitui uma ‘sala de cinema’ varia conforme os indicadores adotados. Enquanto isso, nos Estados Unidos, surge uma tendência disruptiva: os tradicionais cinemas de rua e multiplex em shoppings estão sendo gradualmente substituídos por espaços culturais inovadores, localizados nas periferias das cidades, que priorizam experiências imersivas”, explica o cineasta.
 

Massarolo explica que esses novos complexos, construídos em áreas afastadas dos centros urbanos, transformam a visita do público em uma jornada narrativa. Logo na entrada, as famílias são envolvidas por vitrines de lojas, restaurantes e ambientes tematizados, todos alinhados ao universo de um filme em lançamento. “Desde a decoração até os cardápios, cada detalhe é pensado para refletir elementos da trama, criando uma conexão entre o ‘mundo real’ e a ficção exibida nas telas. Objetos expostos, cenários interativos e até pratos gastronômicos remetem a cenas ou personagens, ampliando a imersão do espectador na história”.

Ele destaca ainda que apesar da ambição em reinventar a experiência cinematográfica, ainda é cedo para avaliar se a aposta em realidade aumentada e na fusão entre consumo e narrativa conseguirá conquistar o público tradicional — especialmente os cinéfilos, que podem questionar se a prioridade é a arte ou o entretenimento comercial. O desafio, agora, está em equilibrar inovação tecnológica com a essência que historicamente define a magia do cinema.

As novas opções do público para ver filmes também afetou o setor cinematográfico. “Há duas décadas, uma revolução redefiniu radicalmente a distribuição de filmes, séries e vídeos. O surgimento do streaming inaugurou uma transformação sem precedentes, democratizando o acesso à exibição de conteúdos. Pela primeira vez, produtores independentes ganharam a possibilidade de exibir seus trabalhos em escala global, sem depender de intermediários ou arcando com custos extras de distribuição”.
 

Massarolo destaca que essa ruptura não apenas quebrou as barreiras do modelo tradicional — dominado por estúdios e redes de cinema —, mas também reconfigurou a relação entre criação e público. “O universo digital tornou-se uma vitrine infinita, onde obras antes restritas a circuitos nichados ou festivais passaram a alcançar espectadores diretamente, em qualquer lugar do mundo. O streaming, assim, não foi apenas uma inovação tecnológica: foi uma reinvenção cultural, transferindo o poder das mãos das grandes corporações para criadores de todos os portes”, comenta. 

Mais informações disponíveis no link:https://spsocial.seade.gov.br/integra/?analise=percepcao-da-populacao-sobre-oferta-qualidade-e-uso-dos-servicos-de-cultura

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