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segunda, 31 de março de 2025
Memória

Nos 65 anos de Renato Russo, são-carlenses destacam a atualidade de sua obra

A obra do poeta furou a bolha do rock e o tornou adorado entre amantes da MPB, do samba, do funk, do reggae e até da música sertaneja

27 Mar 2025 - 17h31Por Da redação
O cantor e compositor Renato Russo: Cirillo Braga afirma que os temas que ele abordou se mantiveram sempre atuais num país que anda em círculos - Crédito: Reprodução Agência Senado O cantor e compositor Renato Russo: Cirillo Braga afirma que os temas que ele abordou se mantiveram sempre atuais num país que anda em círculos - Crédito: Reprodução Agência Senado

Se estivesse vivo, Renato Russo, músico que, para muitos, é considerado o maior poeta do rock brasileiro, completaria nesta quinta-feira (27) 65 anos.  Sua morte precoce em 1996, aos 36 anos, encerrou um legado artístico que certamente seria ainda maior, caso ele não tivesse sido mais uma, entre as tantas vítimas da aids naqueles anos.
Apesar de sua morte ter ocorrido há 1996, há quase 30 anos, Renato Russo e suas ideias continuam vivas. Suas canções, como “Fábrica”, “Pais e Filhos”, “Geração Coca Cola”, “Ainda é Cedo”, “Por Enquanto”, “Será”, “Faroeste Caboclo”, “índios” e “Tempo Perdido”, se tornaram hinos da Geração dos Anos 1980 e também encantaram as gerações seguintes e foram até regravadas em outros ritmos. 

A obra de Renato Russo furou a bolha do rock e o tornou adorado entre amantes da MPB, do samba, do funk, do reggae e até da música sertaneja. Sua poesia e sua mensagem deram às suas letras e músicas um tom messiânico, criando o que ficou conhecido como “Religião Urbana”. 

UM PAÍS QUE ANDA EM CÍRCULOS - O escritor e memorialista são-carlense Cirilo Braga não poupa elogios ao poeta do rock. “Recordar o legado musical e poético de Renato Russo é falar de algo atemporal. O rock brasileiro dos anos 80 ficou caracterizado pela maneira como traduziu em letras e canções o sentimento de uma geração que nasceu quando o país mergulhava num período de repressão. Renato Russo com a força de sua poesia e de sua voz conseguiu ser o grande porta-voz daquele período. Suas letras, ideias e pensamentos tornavam a sua Legião Urbana onipresente na vida de quem queria dizer exatamente aquilo tudo. E fazia isso indo aos shows, ouvindo o rádio, vendo os programas de TV e cantando no banheiro.  Tempos de não ter medo do escuro, mas deixar as luzes acesas”, filosofa ele. 

Cirilo ressalta que a permanência das músicas e da mensagem de Renato Russo se deve ao fato de que ela nunca "saiu de cartaz". “Os temas que ele abordou se mantiveram sempre atuais num país que anda em círculos. Daí as regravações de suas músicas e a facilidade hoje de acesso ao acervo de entrevistas e shows, da formação de fãs clubes nas redes sociais e o compartilhamento de um vasto material, tudo isso faz surgir sempre novos "legionários". Sempre haverá motivos para cantar lutas e embates contra a opressão, a dor, a discriminação e a injustiça”, destaca.
O escritor lembra há versos fantásticos na obra de Renato, como: "Toda dor vem do desejo de não sentirmos dor"; "Disseste que se tua voz tivesse força igual à imensa dor que sentes, teu grito acordaria não só a tua casa, mas a vizinhança inteira"; "Quem me deram ao menos uma vez que o mais simples fosse visto como o mais importante, mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente. Tentei chorar e não consegui”. “Este último trecho eu usei certa vez para encerrar uma matéria sobre a "fila do INPS".  Lembra das longas filas de doentes que começava de madrugada? Eu fui numa e escrevi sobre as agruras das pessoas que esperavam por um atendimento médico que durava 5 minutos”, reflete.

SEIS MESES QUE GERARAM UM GÊNIO - O publicitário Adilson Felix Fraga Júnior afirma que Renato Russo foi muito mais do que um músico ou líder de uma banda de rock brasileiro. “Ele era um poeta. E um dos melhores de sua geração. A cultura de Renato era muito acima da média. Aos 15 anos ele teve uma doença rara chamada de epifisiólise, que afetava a cartilagem e os ossos que ligavam a perna esquerda à bacia. Ele precisou ficar 6 meses trancado no quarto para se tratar. Isto deve ter levado ele a consumir muitos livros e escrever bastante. Com certeza, esta parada contribuiu demais para seu vasto conhecimento e compreensão do mundo”, explica. 

Fraga destaca a filosofia por trás das letras do poeta. “Dito isto, as letras de Renato ultrapassam o gênero musical e são verdadeiros hinos de reflexão e entendimentos do que vivemos no dia a dia. Ele, mais do que ninguém, sabia contar e apontar os problemas que vivíamos, tanto do ponto de vista da sociedade da época, quanto dos relacionamentos emocionais e interpessoais. Renato entendeu como poucos a alma humana, sendo celebrado e acompanhado por todos”, comenta. 
O publicitário relata ainda uma história pessoal para falar de Renato Russo. “Minha mãe, que odiava rock, ficou espantada com a veracidade da letra Pais e Filhos, por exemplo. Ele sabia comunicar os problemas do mundo, assim como Cazuza conseguiu na fase final de sua vida”. 

A obra de Renato, segundo Fraga, vai se eternizar por ser atemporal. “Acredito que a geração de hoje desconhece Renato Russo e sua Legião Urbana, mas sua obra sempre servirá de trabalho acadêmico, tese para uma aula ou exemplo de comportamento. Imagine um professor de História apresentando aos alunos a letra Geração Coca Cola explicando o comportamento de uma sociedade da época, cujas palavras servem para o contexto atual. Renato será eterno!”

Transformar o cotidiano em crônica e a vida em poesia faziam parte da missão do peta do rock. E afirma que suas letras se transformaram em verdadeiros hinos. “Como disse acima, estas canções se comunicavam com os principais problemas da época e com o passado que tornaram esses problemas reais para a sociedade da década 80 entrando para 90. Eu queria muito nascer naquela Brasília morando naquela superquadra da Asa Sul convivendo com André X, Gutje (Plebe Rude), irmãos Fê e Flavio Lemos, Dinho Ouro Preto (Capital Inicial) e Renato Russo. Como percebemos, Renato não pode reclamar da riqueza cultural e musical de sua adolescência. Isto permitiu, como disse acima, verdadeiros hinos que são eternos e fortes. Descanse em paz, Renato!”, conclui ele. 
O maestro, cantor e pianista Wagner Mucillo, um dos líderes da Banda Doce Veneno, também não poupa elogios a Renato Russo. “A boa música é a soma de melodia, ritmo, letra, do carisma do cantor e da interpretação do cantor. O Renato Russo conciliava os cinco itens. Mesmo os mais jovens que não o conheceram não podem ver seu carisma. Mas podem ouvir suas músicas, conhecer suas letras. As músicas que ele cantava e a mensagem casavam com a interpretação teatral dele. É uma obra atemporal. O cara pode gostar de sertanejo e curtir muito Renato Russo justamente pela combinação de pelo menos quatro itens do grande artista. O Raul Seixas também é atemporal. O Raul tinha a voz até bem feia, mas combinava com as letras que ele fazia e cantava”, explica.  

As letras, segundo Mucillo, tinham mensagens muito importantes. Tem mensagem para todas as pessoas de todos os gostos. Tem mensagem para heterossexual, homossexual, um cara que gosta de carne pode gostar, um vegetariano pode gostar. ‘Será’, por exemplo, tem uma letra maravilhosa. É como um livro que você não querer parar de ler. Muita gente vai gostar e vai ouvir. Tem melodia, tem ritmo, tem letra, tem interpretação, tem a interpretação do cantor e o carisma do cantor. Vai permanecer na nossa trilha sonora e na de muitas gerações”, completa ele.

Radialista por muitos anos e membro da equipe da Intersom FM quando o rock nacional estourou nas paradas de sucesso, Eduardo Moreira, o Bill, também vê muito qualidade na obra deixada por Renato Russo e sua Legião Urbana. “Renato sempre foi diferenciado em relação ao cenário musical predominante em sua época. Inteligente e estudioso, Renato qualificou o rock nacional dos anos 80. Letras introspectivas com muitas metáforas e cantadas de forma melancólica marcam sua trajetória musical. Os anos 80 foram marcados pelo surgimento de muita bandas de rock no Brasil, poucas lembradas até hoje. Legião Urbana e Renato Russo fogem desse esquecimento; Renato será lembrado por expor, através da música, as angústias e expectativas de uma geração muitas vezes classificada como perdida”, fala ele. 

 

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