sábado, 07 de setembro de 2024
Artigo Rui Sintra

Tecnologia desenvolvida em São Carlos detecta em 70 segundos contaminação de agrotóxicos em urina de trabalhadores rurais

26 Jul 2024 - 06h00Por (*) Rui Sintra
Tecnologia desenvolvida em São Carlos detecta em 70 segundos contaminação de agrotóxicos em urina de trabalhadores rurais - Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação

Hoje gostaria de destacar neste meu artigo o processo de desenvolvimento, aqui na USP de São Carlos,  de um novo sensor que é capaz de detectar a presença dos defensivos agrícolas paraquat e carbendazim - ainda utilizados, apesar de proibidos -, em menos de 70 segundos. Esta pesquisa, que envolveu pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos, (IFSC/USP), em colaboração com o Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IQ-UFRJ) e o Hospital de Câncer de Barretos (Hospital de Amor), é de fato fantástica, principalmente por ter como público-alvo os trabalhadores rurais. O pesquisador Thiago S. Martins, do IFSC/USP e atualmente sediado na Imperial College London, é o autor principal do artigo que foi recentemente publicado na revista científica "Chemical Engineering Journal". Ele destaca que a importância do desenvolvimento deste sensor, que utiliza uma técnica eletroquímica, reside na capacidade de monitorar rapidamente e com precisão a exposição dos trabalhadores rurais a esses agrotóxicos. Portátil e de fácil utilização, o sensor pode ser usado pelos próprios trabalhadores em seus locais de trabalho ou em suas residências, bastando, para isso, coletarem um pequeno volume de urina, podendo obter o resultado em aproximadamente setenta segundos. Para a equipe de pesquisadores, a detecção de pesticidas em águas e fluidos corporais é crucial para proteger o meio ambiente e a saúde humana, especialmente nas zonas rurais onde ocorre a aplicação (pulverização) dos defensivos agrícolas. Esta pesquisa envolveu a participação de 9 trabalhadores rurais da região de Barretos, com idades entre 18 e 65 anos e incluiu a criação de tiras impressas contendo um nanomaterial orgânico denominado "RIO 17" (Reticular Innovative Organic Framework 17), desenvolvido no IQ-UFRJ. Utilizando um método eletroquímico, o sensor pode detectar os dois agrotóxicos no corpo humano com apenas 100 microlitros de urina, um processo que também é muito eficaz na água e em outras amostras, se necessário. Em conversa mantida com Thiago S. Martins, ele enfatizou a importância desta pesquisa, que revelou que todos os nove trabalhadores rurais testaram positivo para pelo menos um pesticida. Para ele, essa constatação é extremamente preocupante pois não há nível seguro de exposição a esses químicos. A pesquisa evidencia a necessidade de desenvolver soluções acessíveis para monitorar a exposição dos trabalhadores rurais aos agrotóxicos durante a pulverização, sendo que, segundo ele, atualmente não existem tecnologias viáveis para realizar esse monitoramento in loco e garantir a proteção da saúde desses trabalhadores. Esta pesquisa, que se estendeu por mais de cinco meses, teve início com uma colaboração entre o IFSC/USP, o IQ-UFRJ e o Hospital de Amor (Hospital do Câncer de Barretos), sendo que o citado hospital já vinha desenvolvendo um projeto destinado a monitorar os níveis de pesticidas em trabalhadores rurais e suas famílias, bem como nas águas circundantes às suas habitações. Segundo a conversa que mantive com este pesquisador, o hospital usava métodos cromatográficos e espectroscópicos para detectar os pesticidas individualmente. Ao saber que o IFSC/USP desenvolvia desde há algum tempo dispositivos miniaturizados, a parceria foi rapidamente estabelecida. O IQ-UFRJ, então, contribuiu com o nanomaterial para as tiras sensores e assim foi criado um dispositivo semelhante a um glicosímetro que não exige tratamento ou diluição das amostras. Com apenas 100 microlitros, o resultado é obtido em cerca de setenta segundos. Claro que para o sucesso desta pesquisa foi fundamental participação do docente e pesquisador do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IQ/UFRJ), Prof. Dr. Pierre Mothé Esteves, co-autor do artigo científico já mencionado nesta matéria, cuja sua especialidade se concentra em nanociência, nanotecnologia, química reticular, materiais porosos, carbocátion, hidrocarboneto, superacido, carbônio, substituição eletrofílica aromática, hidratos de gás natural e garantia de escoamento. Na verdade, a colaboração para esta pesquisa começou de forma furtuita, através de uma conversa e convite feito pelo atual diretor do IFSC/USP, Prof. Osvaldo Novais de Oliveira Junior. Ao estudar as demandas desta pesquisa, o Prof. Pierre e seu grupo acabaram por construir um novo material nanoestruturado equivalente a um engradado molecular, extremamente poroso, feito de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, constituído por poros bastante seletivos, o que aumenta muito a sensibilidade. O pesquisador entregou uma amostra desse material ao IFSC/USP com a finalidade de testar o sensor que estava sendo proposto. Esse material tem uma grande afinidade para detectar pesticidas e afins, já que ele absorve coisas que estão muito diluídas, devido à sua grande área específica e organofilicidade. Por exemplo, proteínas não passam pelos poros, apenas pequenas moléculas, como as que se encontram nos pesticidas. É, assim, uma espécie de grande “esponja seletiva. Também em conversa mantida com o Prof. Pierre, ele considera uma agradável surpresa saber que esse material desenvolvido por seu grupo foi um sucesso nesta pesquisa. Atendendo às inúmeras denominações registradas na International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC), o grupo do Prof. Dr. Pierre Esteves decidiu batizar este novo material de “Reticular Innovate Organic From Work 17” (RIO-17). Resumidamente, este material com nanoporos tem um potencial enorme de aplicações e destina-se perfeitamente à finalidade desta pesquisa, dentro da classe de materiais porosos orgânicos. Para ele, o Brasil é o grande celeiro do mundo e talvez essa seja a razão por se utilizar tanto defensivo agrícola. Há quem diga que no Brasil já não existe agricultura orgânica, de tanto agrotóxico que é utilizado. Por cada metro quadrado de agricultura existem em torno de 10 miligramas de pesticidas e eles são dispersos pelo vento, se entranham na terra, entram nos lençóis freáticos, etc., sendo que, para ele, não são demais todos os esforços que possam ser feitos para detectá-los. Para o pesquisador da UFRJ, este sensor, dedicado aos agrotóxicos paraquat e carbendazin, abre portas para que, no futuro, se possa ter a esperança de ser possível detectar outros tipos de agrotóxicos, já que seu grupo tem a capacidade para desenhar não só o formato, quanto o tamanho desse “engradado molecular”, classificando-se, com humor, como uma espécie de “alfaiate molecular”. Por último, o Dr. Henrique Santejo Silveira é igualmente um dos co-autores do artigo científico publicado na revista “Chemical Engineering Journal”. Pesquisador no Centro de Pesquisa em Oncologia Molecular do Hospital de Câncer de Barretos (Hospital do Amor), ele é docente da Pós-Graduação em Oncologia do Instituto de Ensino e Pesquisa também no Hospital de Câncer de Barretos, ele tem experiência em Genética e Biologia Molecular e Prevenção de Câncer, atuando principalmente nos seguintes temas: populações expostas ocupacionalmente, câncer relacionado ao trabalho, interações genes e ambiente e sua influência na carcinogênese, resposta ao estresse ambiental e saúde ambiental. É bom lembrar que o Hospital do Câncer de Barretos já mantém uma profícua parceria com o IFSC/USP em diversas áreas. Assim, a contribuição com o fornecimento de amostras de urina oriundas de um grupo de trabalhadores rurais que foram estocadas no Biobanco do Hospital do Câncer de Barretos foi essencial para os testes deste sensor. As amostras derivam de um projeto de coorte (RUCAN study) que reunirá cerca de 2.200 trabalhadores rurais daquela região e cujo objetivo é acompanhar, ao longo do tempo, a incidência de diversas doenças causadas pela exposição aos agrotóxicos, incluindo o câncer e doenças neurológicas. O Dr. Henrique Silveira salienta que uma eventual evolução deste sensor poderá ser utilizada com mais eficácia e rapidez na prevenção e vigilância da saúde dos trabalhadores rurais, principalmente nas intoxicações causadas por agrotóxicos, sendo que o paraquat e o carbendazim são muito utilizados aqui na região e não só. Apara este pesquisador, para o próprio Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), que tem inúmeras unidades dispersas pelo país, seria fantástico poder utilizar este sensor na vigilância do trabalhador rural. Por último, o pesquisador Thiago S. Martins ressalta que é crucial evitar a aplicação de químicos proibidos e assegurar a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) apropriados durante a pulverização de agrotóxicos. Enfim, este é um exemplo dos muitos esforços que estão sendo feitos por universidades e centros de pesquisa para proteger essa população agrícola. Bem hajam!!!

O autor é jornalista profissional/correspondente para a Europa pela GNS Press Association / EUCJ - European Chamber of Journalists/European News Agency) - MTB 66181/SP.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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