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quinta, 21 de novembro de 2024
Memória São-carlense

Padre Teixeira, um padroeiro honorário

28 Dez 2018 - 06h00Por (*) Cirilo Braga
Padre Teixeira, um padroeiro honorário - Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação

A fé sempre esteve presente na história de São Carlos. Se a razão impulsiona a tecnologia, a crença faz acreditar que é possível ir além. Não deve ser por acaso que a cidade com nome de santo, nascida numa capela, tem um hino que fala em “presépio”, “prece”, “bênçãos de Deus”, “Catedral onde rezam cantando a cultura, o labor, sua vida”.

Faz tempo que ouço falar dos milagres atribuídos ao Padre Teixeira, cujo centenário de falecimento será completado em 2019.

Quando eu morava na rua que leva o nome dele (e que antigamente se chamou Rua da Babilônia), minha mãe comentava as graças recebidas por muita gente que recorria à intercessão do religioso que viveu na cidade no início do século passado.

Seria fácil concluir que São Carlos possui um “santo” além do padroeiro. Um homem que viveu heroicamente as virtudes cristãs e que mesmo depois de morto continuou a ajudar os são-carlenses.

Não duvido que se alguém tivesse anotado seus feitos, o Padre seguramente estaria por direito no patamar em que os devotos o colocam, com status de “santo”. Ou ao menos beato sob análise da rigorosa Congregação para as Causas dos Santos, do Vaticano. Pensei nisso na época em que Frei Galvão, paulista de Guaratinguetá, foi canonizado.

Padre Teixeira, um são-carlense, ainda que honorário, seria nosso legítimo representante em outras esferas espirituais e, se eu tivesse alguma dúvida, o depoimento de um amigo já falecido, o cronista Aduar Dibo, reconstituiria a crença.

Certa vez Aduar surpreendeu-me ao contar em Padre Teixeira buscava apoio nos momentos de aflição. “Ele nunca me abandona”, garantiu, com a isenção de quem até ali não professava uma religião em particular.

A recuperação da saúde da esposa de Adu, dona Zilá, selaria de vez a aliança com o “santo”, já consolidada quando seu pai, Basílio Dibo, mantinha um importante armarinho na rua General na época da chegada de Padre Teixeira a São Carlos.

O sacerdote, nascido José Teixeira da Silva, paranaense de Lapa, tinha pouco mais de 30 anos. Havia sido vigário em Paranaguá e Taquaritinga e aqui desembarcava para marcar época em apenas quatro anos de estadia. (De 1915 até 14 de junho de 1919, quando morreu aos 36 anos).

Padre Teixeira, ao que se soube, não fazia distinção do credo das pessoas e se comovia com o sofrimento e dor alheias, também indistintamente.  A seu tempo, o padre praticava o que hoje o Papa Francisco tem pregado em suas homilias, inclusive na missa de Natal de 2018: a necessidade de levar uma vida simples e ser solidário com os mais necessitados.

Teixeira costumava fazer compras para ajudar quem precisava, fazendo questão de permanecer incógnito. Com essa atitude, estimulava os comerciantes a ajudar os mais pobres.

Sob uma figueira que existia onde hoje é o ponto de ônibus, em frente à Catedral, costumava conversar diariamente com o lendário andarilho Cicciolaio, que só ao padre dava ouvidos nos momentos de crise alcoólica. Ex-militar, descendente de ilustre família italiana, que abandonou a farda para ser administrador de fazendas em São Carlos, Cicciolaio era caligrafista e desenhista e distraía as crianças desenhando figuras na calçada.

Nos anos em que Padre Teixeira foi pároco em São Carlos havia uma crise mundial, uma guerra ao longe e a desigualdade social e doenças epidêmicas bem perto. Crescia a necessidade de amparo à gente que vivia às margens da riqueza cafeeira. Como em muitas outras fases da história, era possível deparar com um retrato do Brasil na porta da igreja.

Ainda em vida o religioso era reconhecido como um ser santificado. O rosto sereno do jovem da foto colocada em seu túmulo no Cemitério Nossa Senhora do Carmo, sob uma imagem de São José, faz notar que devia mesmo ser alguém com grande carisma.

Em mármore de Carrara, fiel ao estilo da época, o túmulo foi construído graças a uma campanha entre os paroquianos, liderada por José Arruda Campos. Resistindo à ação do vandalismo que assombra o cemitério, tornou-se um altar onde as pessoas depositam flores e preces.

Alguns escrevem a graça que desejam alcançar. Há incontáveis súplicas inseridas ali. E não se pense que é coisa de antigamente. As inscrições têm pedidos de força para superar doenças, sorte para encontrar emprego, luz para ter paz na família e “alegria de viver novamente”.

Poucas pessoas agradecem. A maioria apenas invoca Padre Teixeira nas horas de aperto e desesperança, quando a vida fica muito parecida com a que se vivia nos tempos em que ele caminhou pelas ruas desta cidade. Como um anjo ou um santo em pessoa. Um quase-santo são-carlense.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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