Muito se aprende nos livros, mas o dia adia é um livro aberto que nos ensina bem mais, basta ter olhos para lê-lo. E um café em uma padaria com amigos vale por muitas aulas.
E no sábado passado, quando eu frequentava minhas aulas de filosofia de padaria, aconteceu um caso interessante:
Um amigo, o Gordo, engraçado e inteligente, mas bastante sarcástico, saiu para fumar e continuamos nosso papo com outros amigos fumantes na rua. Não me lembro mais do assunto, até porque deles fica o sumo e não as palavras. Eles se entremeiam com chistes e anedotas.
Enfim, o Gordo e o Rochinha fumavam, eu e o Celso falávamos, quando passou uma senhora com o marido e dobrou a esquina. Nós nem teríamos notado a sua passagem se ela não voltasse e abordasse o Gordo de forma agressiva: “O seu cigarro queimou minha blusa”.
Demoramos a entender o que acontecia. Seu marido ficava um passo atrás, constrangido. Afinal, éramos três e ele apenas um. E foi colocado na situação a contragosto.
A mulher repetiu o que havia dito, um pouco mais alto: “O SEU CIGARRO QUEIMOU A MINHA BLUSA”.
O Gordo tinha um olhar estranho, como se a mulher falasse Grego, Sânscrito ou outro idioma qualquer. Seu canto de boca esboçava um sorriso que eu não soube identificar de imediato se era de ódio, medo ou raiva. Ele deu um trago no cigarro, soltou a fumaça pelo nariz e de modo formal e lento, começou a falar, como se fosse um político ou orador de turma, parecia ler um texto pronto: “Minha senhora, por gentileza, gostaria que a senhora, e o senhor, – disse olhando ao marido –aceitassem as minhas mais sinceras desculpas”.
“Mas quem vai pagar pelo meu prejuízo?”, perguntou a mulher em tom desafiador.
“Quanto custa sua bela blusa?”, inqueriu o Gordo.
“Uns duzentos reais”.
O Gordo respirou fundo e continuou: “Eu estou sem esta quantia no bolso. Mas façamos o seguinte, compre uma roupa nova, mesmo que seja mais cara, e ligue-me para passar o número de sua conta que vou depositar o quanto antes”. Pediu licença por um instante, foi ao caixa da padaria, pegou um papel e anotou o nome e número do celular.
E concluiu: “Eu vou viajar amanhã bem cedo. Volto apenas daqui um mês. Então, por favor, ligue-me antes das cinco da manhã, pois depois não poderei lhe atender”.
A mulher contemplou o papel com os dados, agradeceu e saiu. Ainda ouvíamos ela argumentar com o marido: “Tá vendo. E você não queria que eu reclamasse... Você abaixa a cabeça pra tudo...”.
O Gordo pediu licença a nós e foi embora. Ficamos os três e mais alguns que se aproximaram comentando o assunto.
Nesta noite fui dormir com certa admiração do Gordo. Como foi fino e elegante. Acho que eu teria argumentado com a mulher, mas ele não, resolveu tudo com classe. Adormeci pensando nisso.
Acordei assustado de madrugada com meu celular tocando na sala. Corri para atender e do outro lado a voz dizia: “Seu Antonio. É Aparecida, a mulher da blusa. Conforme o senhor me pediu, estou lhe ligando bem cedo para lhe passar o número de minha conta...”. E eu gritei: “Gordo FDP!”.
(*) O autor é filósofo e escritor