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quinta, 21 de novembro de 2024
Artigo Rui Sintra

Cientista de São Carlos afirma - “É um dever fazer ciência que extrapole fronteiras - Somos cientistas da Humanidade e não de um país ou de uma cidade”

20 Set 2024 - 06h39Por (*) Rui Sintra
Cientista de São Carlos afirma - “É um dever fazer ciência que extrapole fronteiras - Somos cientistas da Humanidade e não de um país ou de uma cidade” -

O horário foi cumprido e o jornalista compareceu pontualmente ao encontro marcado. Para nós, profissionais da comunicação, não é fácil entrevistar alguém que é um dos nomes mais prestigiados da ciência no Brasil e no mundo, ao termos a sensação de que faltam as palavras e as formas de colocarmos as questões previamente preparadas: para o jornalista em causa - meu colega - também foi difícil. Não tem como falar sobre pioneirismo na ciência do Brasil sem mencionar a USP de São Carlos e tudo o que tem sido feito ao longo de décadas no Grupo de Óptica do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP) e no Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica (CEPOF), um CEPID da FAPESP alocado nesse Instituto, restando aprofundar de onde surgiu a ideia de se criar essa infraestrutura dedicada à óptica, dedicada aos estudos e aplicações da luz, principalmente na área da saúde. O cientista e docente, Prof. Vanderlei Salvador Bagnato, coordenador do Grupo de Óptica do IFSC/USP e do CEPOF, dedica o seu trabalho a utilizar a luz para investigar processos fundamentais, tais como, as formas dos átomos interagirem entre si e como as moléculas “conversam” entre elas, sendo que tudo isso acaba tendo uma relevância enorme para as ciências da vida. Para o cientista, se a luz é indicada para se investigar átomos e moléculas, também será eficiente para diagnosticar doenças e depois interagir, interferir. “Muitas das moléculas que existem em nosso metabolismo são responsáveis por reações químicas e por vezes a luz é capaz de promover a reação para um lado ou para o outro. Então, essa interação é que transportamos para a ciência da vida, sendo que, com isso, você acaba desenvolvendo técnicas que dão suporte não só à vida do próprio Homem, tornando-a melhor, como também à vida do meio ambiente, enfim, a toda a vida que nos rodeia. Então, toda vez que tem uma chance, o cientista explora-a, e a ótica, que chamamos fotônica, de um modo geral permite isso”, sublinha o cientista, sendo que a ideia é continuar estudando o que já era estudado em meados do século XX – e mesmo antes – para tentar interferir na área da saúde, combatendo e procurando tratamento e cura para doenças que ainda hoje são uma preocupação e um desafio para a sociedade. O que os cientistas fazem, atualmente, é entender, com profundidade, como a luz interfere e como modifica reações, de forma a conseguirem penetrar em uma célula tumoral – ou mesmo dentro de uma bactéria - e produzir uma reação química que leva ela à morte, ou então regenerá-la, como no caso das doenças degenerativas.

Equipamentos fundamentais para aplicação dos protocolos

Por outro lado, quando se fala em pioneirismo na ciência desenvolvida no IFSC/USP também é necessário verter um olhar atento para os equipamentos e tecnologias inovadoras que são desenvolvidas nesse Instituto, com o intuito de repassar para a sociedade todo o conhecimento. Para Vanderlei Bagnato “existe ciência excelente, que é aquela que avança o conhecimento, e existe a ciência relevante, que é aquela que resolve problemas”, confirmando que em seu Instituto se procura combinar as duas. Fazer o melhor que se pode, atingindo o maior avanço do conhecimento, mas em todas as oportunidades levar esse conhecimento com o intuito de resolver algum problema que atinja a sociedade e essa é a relevância, segundo o cientista. Para ele, não adianta um cientista tentar resolver um problema, como é o caso do câncer, se não é apresentada uma solução. “As evidências de que se pode chegar a uma solução para isso é um primeiro passo, mas quando existe apenas um degrau não podemos subir uma escada. Então, procuramos, sim, fazer um trajeto, fazer realmente uma pesquisa que prove o princípio, que seja possível chegar lá e que mostre como é possível fazer um protótipo que quase chegue ao formato de um produto. Nós não fazemos produtos, já que para chegar a esse ponto nós contamos com parcerias com empresas e é bom salientar que nos nossos laboratórios já nasceram mais de quarenta empresas, muitas delas desconhecidas do público e que estão aí fornecendo equipamentos de toda a natureza que nasceram nos laboratórios de pesquisa. Então, entregamos um desenvolvimento na ponta para que as empresas possam - aí sim – transformá-lo em um produto que tenha alguns requisitos extras e entregá-lo para a sociedade”, pontua Bagnato. De fato, o IFSC/USP tem uma preocupação muito grande e ela não é só resolver um problema: é resolver um problema dentro da realidade econômica do Brasil, já que não adianta fazer uma tecnologia que seja cada vez mais cara para quem necessite dela, sendo que essa realidade econômica é parte da solução dos problemas.

Tratamento do câncer de pele não-melanoma: A primeira tecnologia de uma universidade pública chegando no SUS

A descoberta e aplicação de um novo protocolo para o tratamento do câncer de pele não-melanoma, já aprovado e prestes a ser introduzido no Sistema Único de Saúde (SUS), foi uma grande vitória para os pesquisadores do IFSC/USP, até porque esse trabalho constituiu a primeira tecnologia desenvolvida por uma universidade que efetivamente chegou a esse patamar. No Brasil, continuam a surgir anualmente várias centenas de milhares de novos casos desse tipo de câncer e o sistema não dá conta de dar uma resposta eficaz a todos eles, pois está congestionado, sendo que, se existirem técnicas rápidas alternativas às cirurgias pode-se chegar a um índice alto no tratamento da doença, “desafogando” o pessoal médico para outras situações clínicas.

Levar a ciência brasileira para fora do país

O pioneirismo científico do IFSC/USP quebrou recentemente um outro paradigma ao levar para o exterior suas experiências, pela mão de Vanderlei Bagnato, que foi convidado por uma universidade do estado norte-americano do Texas a montar um laboratório, uma espécie de filial do seu grupo de pesquisa que se encontra instalado no Instituto. Para o cientista são-carlense, a ciência brasileira é relevante e ela tem que ir para todo lugar. Para ele, a ciência não tem predominância local, já que raramente ela resolve um problema de uma comunidade. “A ciência resolve problemas globais e todo mundo tem os mesmos problemas. Até em países como os Estados Unidos existem comunidades carentes que estão com complicações relativas ao câncer de pele e lá não existe SUS, ou seja, as pessoas têm que pagar para serem atendidas. Então, fazer ciência que extrapole as fronteiras é um dever. Nós somos cientistas da Humanidade, não somos cientistas de um país ou de uma cidade”, destaca Bagnato. Para ele, há a necessidade de o cientista ser humilde sobre aquilo que fala e em tudo aquilo que faz, contudo, não pode ser humilde nas suas pretensões desde que elas sejam legítimas. Para ele, o que se pretende é realmente desenvolver coisas que sirvam o mundo, independente dos prêmios e homenagens que são atribuídas. “Sermos homenageados pela relevância da ciência que fazemos ou pela transformação da ciência básica em bem-estar para a sociedade é um orgulho. É claro que nunca merecemos os prêmios que nos dão, por isso sou uma pessoa que me posiciono ao contrário do que seria de esperar, já que eu não me acomodo com prêmios. Eu fico incomodado é com o prêmio que ainda não dei às pessoas, ou seja, um retorno daquilo que elas ainda estão esperando de mim”, destaca o Prof. Bagnato. Como já salientamos acima, o cientista está criando no Texas um laboratório associado, uma espécie de filial de seu grupo de pesquisa no Instituto de Física de São Carlos, na USP de São Carlos, que servirá como uma espécie de ponte para que qualquer pesquisa, tanto proposta pelo Texas como pelo Brasil, possa ser realizada nos laboratórios do IFSC/USP quanto nos laboratórios do Texas, atendendo a que ambos os países estão determinados a financiar ciência relevante. “A nossa chance de nos encaixarmos no mundo, no primeiro time científico, não é combatendo a Rússia ou a China, nem os Estados Unidos ou a Europa, mas sim estando do lado de todos eles, nos associando com eles em pé de igualdade. É isso que eu acho. Então eu quero um laboratório que seja comum. Isso é o que eu chamo de um centro associado. O meu centro, aqui em São Carlos, vai ter o nome do Texas e o centro do Texas vai ter o nosso nome.

Ciência versus religião – A Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano

Vanderlei Salvador Bagnato foi eleito no ano de 2012 pelo Papa Bento como membro da Pontíficia Academia de Ciências do Vaticano e o cientista soube dessa nomeação através de uma notícia transmitida pelo JN da “Globo”. “Eu tinha recebido a carta de nomeação alguns dias antes, mas não consegui dar a atenção necessária. Assinada pelo Papa Bento, eu pensei que aquela carta era um anúncio ou algo parecido e foi com espanto que ouvi meu nome na televisão. Eu sou uma pessoa cristã e para mim isso é importante, embora o fundamental seja falar sobre ciência com os cerca de oitenta cientistas, sendo que mais de quarenta foram já distinguidos com o Prêmio Nobel. É um lugar privilegiado para estar, para eu aprender e, quem sabe, até ensinar um pouco. Diz-se que ninguém sabe tão pouco que não possa ensinar, e nem sabe tudo que não possa aprender. Então, eu estou fazendo os dois e isso para mim é um orgulho”, destaca o cientista. Para Vanderlei Bagnato, as pessoas têm que entender que a religião trata do espírito e a ciência trata de conseguir explicar a natureza, entender as leis básicas, constituir uma forma de interagir com a natureza, sempre construtivamente, em benefício dela. Para o cientista são-carlense não existe nenhuma contradição entre uma coisa e outra. “Eu sempre digo que não vejo nada no cristianismo que torne alguém pior. Ser solidário, tentar ir além com o seu conhecimento, tentar reconhecer o que você tem, dividindo, isso não parecem ser conceitos errados, mas sim construtivos, através de um compromisso com a verdade – e eu tenho isso em mim. Eu acho que todo cientista deveria ser um bom religioso - seja qual for a religião -, porque só faz sentido se o seu compromisso for com a verdade.

Inspiração para os mais jovens

Vanderlei Bagnato considera que é necessário incentivar os mais jovens a seguirem a carreira da ciência, pois ela impele a querer levantar cedo e a encarar o mundo para se poder vencer sempre uma etapa em cada dia. E é nesse trabalho, nessa aposta, que reside o fato de a ciência ser um bem da humanidade, já que o conhecimento é de todos. “Eu costumo dizer uma frase – que não é da minha autoria: nós temos tempo para amar, temos tempo para perdoar, tempo para pesquisar, tempo para escrever artigos científicos e orientar alunos: nós temos tempo para tudo, só não temos tempo a perder. E, o que me motiva é o fato de que eu não posso deixar de ser útil durante a minha vida. Não posso!... E isso é o que tem que motivar qualquer cidadão. Não importa o que você faça. Eu sou cientista, escolhi este caminho!... Então, eu não posso deixar de ser útil. Eu não canso de ser útil. Essa é a minha motivação...”, conclui Bagnato, verdadeiramente emocionado.

O autor é jornalista profissional/correspondente para a Europa pela GNS Press Association / EUCJ - European Chamber of Journalists/European News Agency) - MTB 66181/SP.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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