As solidões pós-modernas são o resultado de um longo processo no qual o conceito de individualismo foi imposto de forma progressiva. Lentamente foram sendo impostas ideias contraditórias na cultura. Uma, de que cada um deve criar seu próprio clã. A outra, de que a solidão é algo terrível.
Da mesma forma, as solidões pós-modernas derivam de um fato cada vez mais palpável: temos medo do outro. O conceito do próximo desapareceu quase por completo. No mundo há pessoas do nosso entorno e também estranhos, e não temos interesse em conhecer estes últimos. Há algo ameaçador nos desconhecidos.
O resultado é uma sociedade na qual as pessoas estão cada vez mais sozinhas, mas lutando contra a solidão. Criamos um mundo no qual não somos capazes de viver em comunidade, mas no qual também não somos capazes de viver sozinhos. Tanto a solidão quanto a companhia se transformaram em um problema.
O assunto da solidão não teve muita transcendência até o romantismo. Antes disso, a solidão não era fonte de grandes reflexões, nem de profundos problemas existenciais. Era normalmente aceito que nascíamos sós e morreríamos sós.
O individualismo também não tinha um lugar preponderante. As pessoas, basicamente, viviam em comunidade. Era comum que uma família inteira vivesse na mesma casa. Avós, filhos, netos e, muitas vezes, outros parentes próximos também. O relacionamento com os vizinhos também era muito forte. As pessoas se conheciam quando viviam em lugares próximos.
Da mesma forma, existiam rituais coletivos que envolviam praticamente toda a população da área. A missa ou as novenas, festas de rua, etc. Resumindo, existia um conceito claro de que cada um era uma parte da comunidade.
Com o romantismo, isso mudou. O casal se transformou na resposta para tudo. Um casal isolado, privado, submerso em seu próprio mundo. A sociedade começou, paulatinamente, a se organizar ao redor do casal e do núcleo familiar mínimo que os envolvia. Paralelamente, a solidão começou a tomar uma conotação dramática e se transformou em algo indesejável.
Após esta mudança de uma família grande vivendo em comunidade para uma sociedade composta de casais, uma nova realidade começou a surgir com a introdução das novas tecnologias. Assim foram inauguradas as solidões pós-modernas. Estas se movem dentro de uma contradição fundamental: estamos conectados com todo o mundo e nos sentimos mais sós do que nunca.
As pessoas se sentem tão sós consigo mesmas que se sentem mal quando não recebem um like ao publicar nas redes sociais. De fato, há tanta solidão que já existem pessoas viciadas em redes sociais. As pessoas se viciam em receber e enviar mensagens, mesmo que estas não digam nada importante.
Por sua vez, no marco das solidões pós-modernas, o casal adquiriu um significado totalmente desproporcional. As pessoas assumem que não fazer parte de um casal é estar sozinho, como se o mundo fosse composto unicamente pelo casal e um término amoroso nos jogasse no abismo da infelicidade total. Como se só um relacionamento pudesse ser fonte de felicidade.
Talvez tenha chegado o momento de questionar esses mitos que rondam a solidão. As solidões pós-modernas provam que estamos errando em alguma coisa. A cultura, da forma como é hoje, não está nos proporcionando um sentimento de paz, plenitude ou felicidade. Está fazendo justamente o contrário. Cada vez são mais frequentes as dificuldades emocionais ou os problemas psicológicos.
Vale a pena questionar o conteúdo dessas solidões atuais. Quando começamos a negar a solidão? Esta é uma realidade para a qual não se tem antídoto. Quanto mais e melhor nos entendermos com a solidão, mais capacitados estaremos para viver e, também, para morrer.
(*) A autora é graduada em Psicologia pela Universidade Paulista. CRP:06/113629, especialista em Psicologia Clínica Psicanalítica pela Universidade Salesianos de São Paulo e Psicanalista. Atua como psicóloga clínica.
Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.