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quinta, 02 de janeiro de 2025
Artigo Rui Sintra

As “ofensas” perto de um fumeiro português

20 Jan 2023 - 07h41Por (*) Rui Sintra
As “ofensas” perto de um fumeiro português -

- Vocês lá na “estranja” não têm disto, pois não?, questionou o Sr. Chico olhando para mim, agachado, enquanto abria a torneira do tonel e deixava escorrer o vinho carrascão direto numa alva malga de cerâmica. O imponente fumeiro estava recheado com tudo aquilo que se possa imaginar - chouriços de carne, farinheiras, presuntos inteiros, chouriços de sangue, chouriços de cebola, salgueiras, toucinhos gordos e magros, alheiras.

Um desfile dos mais tradicionais e apreciados enchidos portugueses cujos aromas se misturavam com o cheiro a carvão e madeira. - Não... Não temos... Infelizmente! - respondi com delicadeza à pergunta. - Olhe... se quiser cerveja, não tenho!... Nem quero ter!!! Prefiro o meu vinho que aquece até a alma. - resmungou o Sr. Chico. - Não, claro que não quero cerveja... Prefiro o seu vinho - retorqui, não fosse o Sr. Chico se ofender. - Se quiser cerveja vai ter que descer a rua. A taberna do Eduardo fica logo à esquerda, mas ele só vende “Minis”... Sabe-se lá porque é que esse inútil não vende a cerveja normal, mas também não me interessa - exclamou o Sr. Chico levantando-se e entregando-me a malga cheia de vinho tinto carrascão, cujos primeiros goles me fizeram recuar no tempo, quando era adolescente.

Enquanto o vinho deixava um rastro no interior da malga, sinal de sua pureza, meu anfitrião caminhou com determinação até a lareira e, pegando numa faca cujas dimensões me transmitiram um enorme respeito, rapidamente a brandiu direto num dos presuntos pendurados, cortando duas grossas fatias. - Vá-se entretendo com isso enquanto a patroa não traz os pães... Pedi para ela fazer um pão saloio e outro de milho para nos dar “sustância”.

Assim aguentamos até à hora do jantar - argumentou o Sr. Chico. Olhei para o relógio. Eram 18h e o jantar era às 19h30. - Com tudo isto para comer, duvido que tenha apetite para o jantar - comentei, sorrindo. - Não se preocupe. Nosso jantar é sempre leve. Uma sopa de “entulho” com muitas nabiças, umas batatas cozidas misturadas e feijão, botamos um copo de vinho tinto na sopa e vamos ficar bem. Depois um bagacinho para arrematar e estamos prontos para o descanso - comentou o Sr. Chico, mordendo um pedaço de presunto.

Os pães chegaram fumegando, trazidos pela sorridente D. Irene, esposa de meu anfitrião. - Comam e bebam à vontade, daqui a pouco a sopa está pronta, rematou ela. Quase me engasguei com a perspectiva de ter de comer tudo aquilo, mais a promessa da sopa. - Ah!... Não sei se vou aguentar comer isto tudo, Sr. Chico - disse, a sorrir. Subitamente o Sr. Chico parou de mastigar, deu um gole no vinho, inclinou-se para mim e exclamou, olhando bem fundo nos meus olhos. - Quer dizer que não está gostando da nossa comida?

Fiquei sem palavras, certamente ruborizei e apressei-me a explicar. - Não!... Não!... Nada disso. É que... Não estou habituado a comer muito... - argumentei.

Inclinando-se ainda mais em minha direção, equilibrando-se no pequeno banco de madeira com três pernas onde entretanto se tinha sentado, o Sr. Chico apressou-se a dizer, apontando a faca na minha direção. - Não sei lá na estranja onde você mora, mas aqui, em Portugal, é uma ofensa se você recusar a comida que lhe dão, ou se deixar sobras no prato. Isso também quer dizer que você não gosta da comida.

Resumo da história: Passei quinze dias com o casal Chico e Irene e regressei ao Brasil com 11 quilos a mais. (Foto de Raul Coelho)

O autor é jornalista profissional / correspondente para a Europa pela GNS Press Association  / EUCJ - European Chamber of Journalists / European News Agency) - MTB 66181/SP.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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