Alunos da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP) desenvolveram uma nova versão de modelos hidrológicos e hidrodinâmicos comunitários capazes de reunir as técnicas mais avançadas de simulações de inundações em rios e várzeas, mesmo em locais com pouca ou nenhuma informação coletada previamente. As novas ferramentas são fundamentais diante do momento que vivemos de mudanças climáticas e maior frequência de eventos extremos, como as enchentes históricas que atingiram o Rio Grande do Sul em maio deste ano. Além de oferecer previsões mais detalhadas, as inovações facilitam a definição de políticas públicas para zoneamento em áreas de risco e sistemas de alerta antecipados com maior prevenção de riscos de desastres.
Apesar dos atuais modelos de previsão do tempo estarem cada vez mais populares e acessíveis, sozinhos eles não têm capacidade de informar eventuais impactos de enchentes ou inundações na superfície terrestre advindas desses modelos meteorológicos, como explica Mário Mendiondo, professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da EESC, e coordenador do grupo de alunos responsáveis pelo desenvolvimento dos novos modelos.
“Isso acontece porque os modelos hidrológicos e hidrodinâmicos, que trabalham em escala de células ou pixels de superfície, precisam ser ‘alimentados’ constantemente com informações da superfície do solo para serem mais assertivos, a partir da meteorologia e estado de umidade do solo, em escala de minutos, horas ou até em um prazo que pode variar entre três e cinco dias. Essas informações são preciosas e fazem toda a diferença para saber até que altura o rio subirá e, assim, salvar vidas em perigo”, destaca.
Para ilustrar a relevância dos modelos desenvolvidos na universidade, Mendiondo lembra da tragédia das fortes chuvas ocorridas no estado gaúcho. “Ali, houve o envio de alertas prévios do CEMADEN (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) sobre as iminentes chuvas intensas e com riscos de inundações, deslizamentos e enxurradas. Contudo, esses alertas meteorológicos sem modelos hidrológicos/hidráulicos de superfície não estavam integrados à Defesa Civil local, que não tinha a certeza até onde chegariam as águas de inundação para retirar pessoas a tempo em bairros que foram literalmente arrasados no Vale do Taquari-Antas”.
Os novos modelos hidrológicos e hidrodinâmicos comunitários foram desenvolvidos pelo laboratório @TheWADILab (Water-Adaptive Design & Innovation) em colaboração entre professores e alunos da EESC-USP e da Universidade do Texas, em San Antonio (EUA), com robustez em seu banco de informações.
O professor da EESC destaca: “considerando os desafios de simular eventos hidrológicos extremos em biomas sul-americanos, essa nova geração de modelos permite maior flexibilidade e versatilidade de adaptação em vários tipos de regiões, climas, relevos e usos do solo. Inclusive, houve simulações preliminares em regiões que sofreram desastres por inundações na África e no Oriente Médio. Isso permite seu uso aplicado para sistemas de alerta antecipados de inundações, mapeamento de áreas de vulnerabilidade e até previsões acopladas a modelos de mudanças climáticas, seguindo recomendações da Organização Meteorológica Mundial, especialmente para a iniciativa ‘Alertas Antecipados para Todos’ que busca soluções para grupos vulneráveis a riscos hidro-meteorológicos”.
“A alta sinergia de projetos interdisciplinares, a colaboração internacional e a transformação dessa ciência mais humanitária, com maior inclusão e diversidade, foram fundamentais para chegarmos nesse ponto do projeto, com modelos feitos por uma ciência comunitária que pode salvar vidas”, celebra Mendiondo.
Recentemente, o projeto foi aplicado como caso de estudo para auxiliar na prevenção de riscos de inundações na escala de país de Honduras e a partir dali o próximo passo foi a escala da América Latina toda. “Tudo isso movido pela criatividade e motivação dos alunos da USP em dar uma atitude social às pesquisas científicas de alto nível internacional e assim ajudar na curricularização das futuras atividades de extensão”, afirma o professor da EESC e coordenador do projeto.
“É o que chamamos de solidariedade da ciência para salvar vidas", ressalta Mendiondo, como ele apresentou em junho deste ano, primeiro no colóquio científico da UNESCO em Paris, e depois durante a I Conferência de Mudanças Climáticas, realizada na sede de CNPq. Para o professor, “esse ambiente comunitário promove uma ‘justiça climática pela ciência’, com quantidade e qualidade de conhecimento e sua inserção nos diálogos tão relevantes de transição climática”, conclui.