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domingo, 06 de abril de 2025
Especial Autismo

Conscientização do Autismo: pesquisador da USP revela diagnóstico tardio e investiga aplicações de inteligência artificial para identificar transtorno

Comemorado neste dia 2 de abril, a data é um convite à conscientização sobre a importância do diagnóstico precoce e a inclusão das pessoas que têm esse tipo de neurodivergência

02 Abr 2025 - 14h45Por Assessoria
No ICMC, uma das pesquisas em andamento utiliza imagens de ressonância magnética funcional para desenvolver uma ferramenta de inteligência artificial capaz de auxiliar no diagnóstico do autismo ( crédito da imagem: Envato) - No ICMC, uma das pesquisas em andamento utiliza imagens de ressonância magnética funcional para desenvolver uma ferramenta de inteligência artificial capaz de auxiliar no diagnóstico do autismo ( crédito da imagem: Envato) -
Uma das maiores autoridades internacionais de inteligência em artificial (IA), o professor André de Carvalho só descobriu aos 54 anos que era autista. Diretor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, André viveu por décadas sem entender por que se sentia tão desconfortável com barulhos — a ponto de, ainda na adolescência, comprar por conta própria um abafador de som. Também não compreendia por que, em determinadas situações, seu corpo e sua mente simplesmente “desligavam”. Hoje, ele registra esses episódios como shutdowns , um termo utilizado para descrever o estado de paralisia diante de uma sobrecarga sensorial, emocional ou social, o que pode acometer pessoas desligadas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Foi somente após uma conversa com sua filha, na época estudante de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que o diretor do ICMC passou a desconfiar do que estava por trás daqueles comportamentos que, desde a infância, seus pais consideravam “diferentes” — e que, à época, os levaram a buscar ajuda psicológica para o filho. "Minha filha fez terapia e descreveu um pouco meu comportamento para um profissional. Ela respondeu e disse: 'Seu pai parece estar no espectro'. Foi ela quem me sugeriu procurar uma avaliação", relembra o professor. Depois de exames e testes, veio o diagnóstico que, para ele, foi menos um baque e mais um problema: “A partir daí, busquei compreender o autismo e isso me ajudou a transformar o diagnóstico em algo positivo”.

Após a descoberta de , filha do meio do professor, então com 17 anos, também foi avaliada e teve o autismo confirmado. A experiência o inspirou a pensar em meios de tornar os diagnósticos mais acessíveis e precoces — algo que não foi possível nem para ele nem para sua filha. "Não sabia antes que eu era autista trouxe uma influência na minha vida. Quanto mais cedo você entende, mais fácil é lidar porque você vai ter um tratamento e uma atenção diferenciada na escola, por exemplo", reflete.

O diretor do ICMC acredita que, embora o entendimento sobre a neurodiversidade — que confirma e valoriza as diferentes formas de funcionamento neurológico e suas formas de expressão, como o TEA, por exemplo — esteja cada vez mais presente nas discussões sociais, ainda existe muito preconceito e desinformação sobre o tema. Para ele, dados como o Dia Mundial da Conscientização do Autismo , realizado neste 2 de abril, são fundamentais para desmistificar o transtorno e ampliar o acolhimento.

“O autismo não é uma deficiência, mas sim uma expressão da nossa humanidade — somos diferentes uns dos outros”, destaca o diretor do ICMC. Com esse olhar, e movido pela própria experiência de diagnóstico tardio, André deu início, em parceria com a psiquiatra Helena Paula Brentani , do Hospital das Clínicas de São Paulo, a projetos que buscam desenvolver ferramentas de IA para tornar os diagnósticos mais acessíveis, precoces e confiáveis.

“Trabalhamos com reconhecimento de padrões aparentes, análise de sinais aparentes, identificação de biomarcadores moleculares e das formas como as crianças se movimentam em seus primeiros anos de vida”. De acordo com o professor, andar na ponta dos pés pode ser um sinal de autismo em crianças. Umas dessas pesquisas ocorre dentro do Programa de mestrado e doutorado acadêmico para a inovação (MAI/DAI) , contando com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Ciência que nasce da vivência – De causa multifatorial, o TEA tem forte influência genética e se manifesta ainda na infância, tendo nuances e intensidades diferentes: vem daí o nome “espectro”, já que abrange uma variação infinita de graus ou níveis de expressão. No entanto, muitas pessoas acreditam que o autismo se expressa de uma única forma, caracterizado por uma extrema dependência para a realização de atividades do dia a dia, o que pode levar muitos a desconsiderarem a busca pelo diagnóstico, já que têm uma vida independente. Esse desconhecimento sobre o transtorno, que não se curva a estereótipos, ainda tem raízes no passado, quando apenas casos com níveis mais altos, considerados mais graves, recebiam atenção clínica.

“As pessoas dizem que os casos de autismo aumentaram, mas, na verdade, antes só se diagnosticavam os casos mais graves, como os personificados naquele personagem do filme Rain Man ”, observa o diretor do ICMC. No filme, o personagem Ray apresenta um nível mais acentuado de autismo e sofre, adicionalmente, de deficiência intelectual.

Por isso, iniciativas que buscam aprimorar a identificação de casos são tão importantes. Além disso, ter pessoas cujas vivências são atravessadas pelo autismo conduzindo pesquisas também podem transformar a ciência. "Muitas vezes, o discurso sobre o autismo é puramente biomédico, tratando o TEA como algo a ser corrigido. Mas o que queremos é ser compreendidos e coletados. Quando pessoas autistas estão dentro da pesquisa, a abordagem muda", destaca o estudante de Ciência de Dados do ICMC, Matheo Angelo Pereira Dantas.

Diagnosticado com autismo aos 17 anos, Matheo é orientado pelo professor André na pesquisa Explicabilidade em redes neurais de grafos para avaliação de autismo usando análise de fMRI . Eles irão utilizar exames de ressonância magnética funcional, um tipo de imagem que capta o cérebro em atividade, para desenvolver uma ferramenta baseada em IA capaz de análise de padrões específicos com mais precisão e transparência para auxiliares médicos no diagnóstico do TEA.

"Podemos representar o cérebro por grafos: cada região é um nó e suas redes formam as arestas. Utilizar conhecimentos de redes neurais talvez seja viável prever o diagnóstico e também indicar quais regiões específicas são mais relevantes para a tomada de decisão de uma ferramenta de IA", explica Matheo. O diferencial do trabalho, que está sendo apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), está na explicabilidade, ou seja, ao invés de apenas apontar uma resposta, a ferramenta busca mostrar o porquê chegou a conclusão, algo que o diretor do ICMC, que orienta a pesquisa, considera essencial no contexto médico.

O desafio, segundo Matheo, é garantir que os modelos treinados com dados de trânsito da Europa e dos Estados Unidos também funcionem no contexto brasileiro. "O que a gente busca são marcadores confiáveis. Assim como a síndrome de Down tem uma alteração cromossômica visível, talvez possamos encontrar no cérebro sinais consistentes de autismo, que ajudem no diagnóstico com mais segurança e menos subjetividade", afirma o estudante.

Universidade inclusiva – Se, por um lado, a pesquisa avança para tornar o diagnóstico do autismo mais preciso, por outro, a sociedade precisa se adaptar e acolher a neurodiversidade. Nesse sentido, o diretor do ICMC contou que, após o diagnóstico, passou a ter mais cuidado em como suas aulas foram ensinadas pelos alunos, além disso, ele busca auxiliar quem apresenta qualquer neurodivergência e ser empático.

No ICMC, esse esforço de adequação do ambiente acadêmico vem sendo liderado pela Comissão de Inclusão e Pertencimento (CIP ) , ligada à , da USP. A Comissão segue as diretrizes estipuladas recentemente pelo PRIP com as portarias nº 059/2024 e 065/2024 , buscando garantir que estudantes, docentes, pesquisadores e servidores técnico-administrativos com TEA ou deficiência tenham acesso a adaptações pedagógicas e estruturais adequadas às suas necessidades.

"Ainda há um medo do estigma, do julgamento, da ideia equivocada de que pedir adaptação é pedir privilégio. Mas não é disso que se trata. As adaptações existem para garantir condições equivalentes aos demais", explica a professora Mariana Andretta , que coordena a CIP. Entre as adaptações possíveis estão o uso de abafadores de som, prazos estendidos para entrega de trabalhos, a possibilidade de realizar atividades de forma individual e a tutoria de um docente. “O aluno pode indicar o professor que deseja e, tendo disponibilidade, o docente passa a auxiliá-lo, ajudando-o a se organizar com os estudos, por exemplo”. Curiosamente, os primeiros alunos a solicitar um tutor escolheram docentes que também são autistas. “Isso mostra como a identificação pode ser poderosa”, enfatiza Marina.

Estudantes, docentes e servidores do ICMC que necessitem de alguma adaptação podem entrar em contato com a CIP, e preencher este formulário: https://icmc.usp.br/e/c571e . Após essa etapa, a equipe da CIP entrará em contato e marcará uma reunião, que poderá ser presencial, por telefone, por WhatsApp, por Meet ou por e-mail. “Esse momento é importante para entendermos qual é exatamente a demanda e, assim, podermos dar o encaminhamento dentro do ICMC”, explica.

Para além da comissão de mediação de adaptações, a busca aprimorar sua assistência trabalhando em conjunto com o grupo de apoio psicopedagógico (GAPSI ), o Serviço de Assistência Social e as demais comissões de inclusão do campus da USP São Carlos. A Comissão também anseia pela contratação de um psicopedagogo no campus pois, atualmente, a orientação para as ações do CIP vem principalmente de pessoas ligadas ao coordenador do curso de Psicopedagogia da UFSCar, que têm colaborado de forma ainda informal com o ICMC.

Para a professora Marina, naturalizar a diferença como parte da experiência universitária é um trabalho contínuo e urgente. "Precisamos falar sobre neurodivergência como falamos sobre outras características humanas, como altura ou diabetes. Algumas pessoas precisam de adaptações, outras não. E é tudo bem. O importante é criar um ambiente em que ninguém precisa esconder quem é para conseguir estudar", finaliza.

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